maio 11, 2014

«Reflexões em Dó Maior - IV» - António Pimpão

Na Idade Média, e com maior incidência na sua parte final, a Igreja criou uma forma engenhosa de angariar dinheiro para as suas obras ou para cobrir as suas dívidas: vendendo bulas, ou indulgências. Padres e frades serviam de angariadores: metiam medo aos cristãos, aterrorizando-os com as agruras das penas do inferno, para eles e seus familiares, vivos ou já mortos, penas que poderiam ser aliviadas ou suspensas através da compra de bulas, que custavam bom dinheiro. Também se vendiam bulas para se dispensar do jejum e da abstinência de carne na Quaresma.
Também neste particular a Igreja mostrou ser inventiva.
Hoje em dia esta caraterística deixou de ser exclusiva da Igreja, tendo-se laicizado.
Nos nossos dias passou a ser governo a criar e vender as bulas. Fê-lo quando, no governo Sócrates, criou os famosos projetos PIN (Projetos de Potencial Interesse Nacional), em que se davam todas as facilidades a quem investisse em empreendimentos turísticos, em que não eram respeitadas as regras comuns; fê-lo quando, há 2 anos, permitiu a repatriação das fortunas que os ricos tinham evadido, pondo-as a salvo em off-shores, mediante o pagamento do ridículo imposto extraordinário de 5% dessas quantias (com isso, o dinheiro sujo ficou completamente lavadinho); fá-lo presentemente, ao atribuir o visto dourado (“golden visa”) a qualquer estrangeiro endinheirado que se disponha a investir em Portugal mais de 500 mil euros na compra de um imóvel, bastando-lhe estar pelo menos 7 dias por ano em Portugal. O visto de residência dourado permite aos seus titulares o fácil acesso ao mercado europeu, onde depois vão investir a sério e, até, adquirir a nacionalidade portuguesa.
Já aderiram a esta facilidade mais de 500 investidores, dos quais 79% são chineses e 6% russos, ou seja, quase exclusivamente cidadãos de regimes comunistas.
Creio que qualquer jogador de futebol que compre um prédio nas referidas condições passa imediatamente a ter visto português, sem ter que esperar os 6 anos a que até há pouco estava obrigado.
Como é evidente, este tipo de investimento não gera qualquer riqueza nem cria qualquer posto de trabalho, uma vez que incide sobre bens pré-existentes e não produtores de riqueza.
Quem ganha com o esquema? Os ricos proprietários de casas apalaçadas e as agências imobiliárias, claro!
Faz falta um novo Martin Lutero!

António Pimpão

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