outubro 17, 2013

«A poupar desde os sete anos» - conselhos de poupança de José Redondo, presidente do Licor Beirão

José Redondo, presidente da Licor Beirão
Desde pequeno que me habituei a admirar a forma original e criativa como o Licor Beirão era publicitado, dando a ideia de estar presente em qualquer café ou curva das (poucas) estradas de Portugal. Há 40 anos, o meu Pai, professor Rogério, tinha uma régua de madeira com uma frase impressa, algo como "Que belo licor, senhor professor!" e o meu tio Toneca tinha outra régua com a frase "Licor porreiro, senhor engenheiro". A minha memória ficou tão gravada como aquelas réguas. "Genial criação, Licor Beirão!"
Passados todos estes anos, ainda mais surpreendente é a forma como o Licor Beirão consegue manter e até reforçar a sua imagem, sempre muito à frente de outras marcas, até a nível internacional.
Há poucas semanas, tive a oportunidade de visitar a fábrica do Licor Beirão e de conhecer pessoalmente o seu presidente, José Redondo. Soube a tão pouco ouvi-lo falar de algumas aventuras e peripécias ao longo da longa história da marca...
Julgo que é uma pena se não for recolhido em livro todo o manancial da história desta empresa. Fica o desafio...
O José Redondo é uma pessoa que fala connosco como se fosse a primeira vez que conta episódios importantes e curiosos e como se fôssemos, naquele pedacinho de tempo, o centro do mundo.
Recentemente, escreveu um texto sobre poupança na página do Montepio. Achei esse texto tão interessante que pedi autorização para o reproduzir no «Persuacção». A resposta é mesmo dele: "Será um prazer e uma honra". Aqui fica a sua lição de poupança:

José Carranca Redondo, que adquiriu em 1940
a fábrica e a receita secreta do Licor Beirão
"Quando tinha 7 anos tive uma experiência com o meu Pai - que acompanhei diariamente ao longo de mais de 50 anos - e marcou-me para sempre. Falávamos de poupar dinheiro e do que isso era importante na vida. Disse-me que era preciso poupar sempre. E vai daí, passou imediatamente da teoria à prática. Recordo-me, como se fosse hoje, que me levou a uma agência de um Banco na Lousã, que tinha na altura dois funcionários.
Quando lá chegámos, abriu uma conta em meu nome com a quantia de 57$50 escudos. Estávamos a 29 de agosto de em 1950. Em outubro depositei mais 50$00. Esse dinheiro foi vencendo juros a uma média de 2$20 por ano - não havia inflação - até que, a 17 de abril de 1957, já tinha 121$30. Levantei esse dinheiro para, a 24 de abril, fazer um depósito de 485$00. Nessa altura, os juros já eram maiores e rondavam os 32$00 por ano.
Muito jovem já acompanhava o meu Pai nos meus tempos livres. Ele dava-me sempre as mais variadas tarefas. Para isso, ia-me “pagando” esses trabalhos, tal como eu hoje faço com os meus netos, e eu sentia um orgulho enorme em entrar no Banco e dirigir-me ao balcão para depositar, quantias de 7$50, 8$00, e até registar depósitos de 2$50. Para os mais jovens que me lêem  2$50 é o equivalente a um cêntimo e meio de euro!!!
Ainda me lembro quando um dos funcionários escreveu à mão os juros vencidos naquele primeiro ano. Sentir que tinha conseguido aquele dinheiro “sem trabalho” foi qualquer coisa de extraordinário para mim. Mais tarde, quando tinha 14 anos, como tínhamos a agência de jornais do Primeiro de Janeiro, o meu Pai propôs-me ser agente do Diário do Norte, um vespertino que se publicou durante alguns anos no Porto. Chegava à Lousã por volta das 21 horas e eu, pasme-se, ainda o ia distribuir pelos assinantes. O lucro da distribuição do jornal depositava-o sempre no Banco.
Conclusão: Ao fim de alguns anos já tinha algum fundo de maneio na conta bancária. Assim, cheguei a dezembro de 1963 e tinha à ordem 820$20 que levantei nessa data. Não me recordo em que investi esse dinheiro, mas como andava na faculdade, em Coimbra, depreendo que não terá sido o melhor investimento
É natural que toda a minha vida tivesse sido pautada por uma dose elevada de poupança, uma vez que fui educado numa perspetiva de aforro. As diversas empresas ligadas a setores tão diversos como publicidade, sinalização rodoviária, serigrafia, fibra de vidro e o próprio Licor Beirão, comportaram-se sempre na ideia de que se houvesse poupança e dinheiro em caixa, facilmente se fariam bons negócios. Sempre e sempre a pensar que só uma boa compra permitiria uma boa venda.
A chegada do 25 de abril e a perda daquela identidade salazarista de produzir e poupar foi substituída por produzir e investir. Se se investisse o ganho da produção eu até estaria de acordo. No entanto, e infelizmente, vários empresários não souberam perceber que muitos investimentos que faziam não eram reprodutivos mas para consumo próprio. A palavra poupança nunca fez parte do vocabulário de muitos empresários, de muitas famílias, de muitas pessoas
Na minha opinião, as poupanças têm de começar logo no nosso agregado familiar. Conseguir que todos os meses os vencimentos “estiquem” um pouco que seja é uma condição essencial para obstar a percalços que, por mais pequenos que sejam, levam muitas vezes a atitudes irremediáveis.
Muita gente honesta foi apanhada neste turbilhão de crise social e verifica-se que aqueles que conseguiram ultrapassar o drama por que passaram já conseguem criar pequenas poupanças e reservar o mínimo para poderem ocorrer a qualquer nova situação imponderável e resolvê-la, com o apoio da banca. É isso que justifica que, num período tão difícil da nossa vida, o nível de poupança das famílias esteja a aumentar."
José Redondo
Presidente da Licor Beirão

7 comentários:

  1. A importância das poupanças de uns é o na mesma medida em que ela é parelha à não poupança de outros que são os seus contemporâneos.
    Aliás é pela não poupança desses outros que os Bancos oferecem parte dos juros que cobram aos que não poupando, recorrem ao contrário, ao avanço de capital que ao ser investido, espera consumo dos que não poupam.
    Como em tudo na vida, para cada ponto há um contraponto, e se todos forem muito poupadinhos, ficam com os colchões cheios dos tostões que fariam falta pelo seu consumo, aos licores Beirões
    Para que alguém poupe, terá de haver outro alguém que não o faça, de outro modo onde é que apareceria o dinheiro poupado?
    A mensagem contudo, não se perde neste argumentário paradoxo-falacioso.
    Poupar é importante, sem dúvida, uma poupança inteligente de forma a capitalizar recursos com objectivos determinados, já que poupar por poupar não serve para nada.
    Incentivei por isso ao meu netinho a poupar também, uma latinha que rapidamente se encheu de poupanças... que os avôs e tios puseram lá dentro e que ele investiu numa escavadora.
    (Mantive a secreta esperança que fosse para ele encetar as obras da caixa forte do Tio Patinhas, mas enganei-me: foi mesmo só para fazer obras na areia da praia.)

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    1. Charlie, para cada ponto há sempre um contraponto. E tu és exímio nisso. Mas também o José Redondo, tal como o teu neto, investiu cientificamente as poupanças: "Não me recordo em que investi esse dinheiro, mas como andava na faculdade, em Coimbra, depreendo que não terá sido o melhor investimento..."

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  2. Excelente introdução, como era de esperar do Paulo,ao também excelente texto do Zé Redondo!
    Como funcionário dos CTT sei bem o que a poupança significava para muita gente, até as mais humildes.Os certificados de Aforro permitiam poupar, no seu início e ainda por largos anos, quantias extremamente pequenas, o que fazia que muitos aforradores, assim que juntavam essa quantia mínima a iam depositar.Claro que os que tinham grandes disponibilidades finaceiras podiam fazê-lo até ao limite máximo, o que nessa altura em escudos podia ir até cinquenta mil contos, o que num casal dava cem mil contos! Os juros eram de facto muito aliciantes e com prémios de antiguidade!!! Claro que havia a oposição da Banca que sempre tentou acabar com os certificados de aforro.Devagar foi-o conseguindo através da pressão para que os juros fossem baixando.Conseguiu práticamente acabar com eles.Presentemente o Ministério das Finanças resolveu reavivá-los e estão progressivamente a voltar a ser um excelente modo de aforro.O Estado só tem a ganhar pois é uma maneira de se financiar internamente.
    Aos meus netos fez muito jeito passados vários anos, o que aforraram das mesadas que recebiam!!! E claro a mim também, porque mal parecia não ser cliente de mim próprio!!!
    Depois...acabou-se a"mama" por pressão dos lobbys financeiros sobre os vários Ministros das Finanças...E depois foi tudo por água abaixo e assim estamos na situação deplorável em que nos encontramos!
    Amen!

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    1. Bem hajas, Rafael.
      Como já escrevi ao José Redondo, penso que devia ser registada em livro (com DVD com imagens, se houvesse) toda a riqueza da história do Licor Beirão. Como já comentei no Facebook, seria certamente um óptimo manual prático comercial, de publicidade e de marketing para gestores e alunos de gestão.

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    2. Os certificados de aforro eram uma coisa óptima em todos os sentidos, mas a pressão dos garganeiros fez acabar com um instrumento de indiscutivel valor. Em vez de se poupar internamente financiando o Estado, tudo fizeram para "importar" dinheiro do estrangeiro, cobrando taxas aos clientes e sub taxas aos bancos estrangeiros numa roda viva que uma vez iniciada não podia mais parar, Uma corrida louca em direcção ao monstro da dívida que agora nos afoga.
      Quanto a Coímbra, tu investiste as poupanças em viver, o que é um bom investimento. ;)

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  3. Eu então, em poupança sempre fui um economista. Quando tinha uns 12 anos, num dia de feira em Caria os meus pais deram-me 20$00 (vinte escudos), uma fortuna na altura, quando eu e o meu irmão recebíamos uma semanada de 2$50 cada um... que normalmente investíamos num pacote de Sugus, cada um do seu sabor, e trocávamos metade (5 dos 10) entre nós. Cheguei a uma altura em que desembrulhava todos os Sugus, juntava-os em pilha com os sabores alternados e metia tudo de uma vez para a boca.
    Pois nesse dia de feira comprei um porta-moedas para guardar o dinheiro, pois era a primeira vez que tinha tanto e não tinha onde o guardar. E comprei um, que me custou 17$50. Quando guardei lá dentro o troco (uma moeda de vinte e cinco tostões) é que acordei: "ora Sugus!"

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