dezembro 10, 2012

A prisão das gavetas

As pessoas convencem-se de coisas.
De que são praticamente a Giselle Bünchen, de que dançam como a Jennifer Lopez, de que conduzem como o Schumacher, correm como o Obikwelu ou escrevem como o Miguel Esteves Cardoso. Ou de que a colega nova só pode ter subido na horizontal (porque é gira e tudo), ou de que a atlética do ginásio só pode tomar umas bombas (porque ninguém define assim tão depressa e muito menos continua a ser tão magra, com o que aventesma come, sem uma ajudinha química), ou de que o fulano de tal é tão brilhante como o maior dos génios ou de que o outro é burro como um soco. Ou de que A é bom e grande amigo e de que B é uma besta e mau como as cobras. Ou que o político/partido X é magnânimo e o político/partido Y só quer é tacho.

Estas coisas tornam-se todas verdades absolutas: porque engavetámos as pessoas e as situações, não conseguimos ver a sacanice/burrice/maldade dos que decidimos que eram o máximo ou, pelo contrário, não damos crédito a quem metemos na gaveta daqueles de quem não gostamos.
É muito mais fácil, a vida, assim. O que vem dali sabemos que é sempre bom e o que surge dacolá é sempre mau - não se pensa mais nisso e não só não temos de nos maçar no intervalo da novela ou da sobremesa que fizemos com tanto empenho, como dificilmente somos capazes de ver para além do que estabelecemos (e o ver para além faz mal à vista, aos neurónios e, sobretudo, ao sossego).

E depois somos surpreendidos, não estávamos à espera, ficamos para morrer, quando os absolutamente bons até têm uma dimensão menos agradável ou quando os camelos que odiamos agem da melhor das formas - porque durante muito tempo fomos incapazes de constatar o que decidimos não ter existência.
O perigo das gavetas em que encerramos verdades absolutas é mesmo esse: juntamente com os dogmas, fechamos à chave também a nossa capacidade de pensar e de lidar com o novo - o que, parecendo que não, muitas vezes, dá um jeitaço.

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