setembro 03, 2012

A posta ambidextra


Uma das lições de vida que mais gente me tentou ensinar foi a de que a vida é a cores, não é a preto e branco. Ou seja, não há só bons e maus, fortes e fracos, castigo e perdão. Existirá toda uma gama de opções para atenuar a perspectiva radical e maniqueísta dos gajos como eu.
E eu tentei aprender essa lição, por entre as várias tonalidades de cinzento entre o preto e o branco que antes simplificavam as minhas escolhas, tentando abrir o leque de opções antes de formar uma opinião ou tomar decisões.
No entanto, ao longo desse processo de reaprendizagem da minha forma de apreciar os contornos da vida como ela acontece tive sempre um obstáculo à assimilação do conceito multicolor: a realidade prática desmente demasiadas vezes a possibilidade teórica embutida nas melhores e mais coloridas intenções.

Um dos temas quentes da actualidade lusa é a vincada componente ideológica da agenda do actual Governo, demasiado óbvia nas suas decisões económicas e financeiras.
Dificilmente alguém poderá contestar esse temor de uma Esquerda arredada para o banco de suplentes depois de vários anos a titular, impotente na sua desunião para travar os ímpetos neoliberais, sem visão nem liderança para combater de forma eficaz os abusos da Direita que denunciam a torto e a direito em defesa de uma visão do mundo e de um pacote de soluções para as várias crises que nos atormentam e que se situa nos antípodas da que o executivo laranja eleito e, tendo em conta as sondagens, na corrida para a reeleição, apesar dos resultados à vista das suas soluções, preconiza.
É aí que salta à vista que a culpa não é do povo que vota mas de uma oposição que em nada se exibe sólida enquanto alternativa porque à tal imposição da agenda conservadora e neoliberal insiste em contrapor uma apatia acomodada ou, como no exemplo que motiva esta posta, uma recuperação dos ideais mais arcaicos e utópicos que a Esquerda desorientada vai recuperando do baú de ideias do tempo da Revolução Industrial.

O mundo mudou, as pessoas mudaram. Nem a Esquerda nem a Direita conseguiram acompanhar a passada dessa mudança, sendo cada vez mais evidente a escassez (a ausência) de pensadores capazes de moldarem as ideologias à realidade como ela se apresenta. E ainda menos se revela alguém de inventar uma terceira opção que nos livre destas escaramuças patéticas entre formas de pensar que não passam de raciocínios na órbita de pressupostos e de dogmas dos quais cada vez menos se bebe algo de útil para consolidar o que de positivo já se conseguiu neste nosso hemisfério dos ricos, delineado cada vez mais a norte do equador e assente num modelo económico em vias de desagregação.

Se até o Relvas conseguiu...

O Ministro da Educação decidiu impor o ensino profissional aos estudantes que não se revelem capazes de progredir na fase menos complexa do percurso académico.
Aqui d'El-Rei, clamam os da esquerdalha, que estamos a fazer renascer o salazarismo nas escolas e a empurrar os pobres (que pelos vistos na visão dos esquerdistas são mais burros e menos capazes porque alegadamente serão eles o grosso do pelotão de futuros canalizadores e não licenciados do país) para fora do sistema produtor de cada doutora e doutor que o desemprego vai acolhendo como pode.
Boas intenções, portanto, as da Esquerda que rejeita esta separação das águas entre capazes e comprovadamente incapazes de obterem resultados escolares satisfatórios, pelo estigma que isso pode representar.

Eu, que ainda me vou encontrando mais à esquerda da fronteira imaginária entre as duas formas de pensar a vida em sociedade e seus modelos de organização, vejo-me apanhado no dilema que me é criado pela necessidade de encontrar a melhor tonalidade entre os extremos e perceber, ao longo do raciocínio, que existem tons do meu lado da coisa que não encaixam de todo numa abordagem mais racional do problema a resolver.
A Esquerda mais utópica e intelectualóide peca muitas vezes por não ter em conta isso mesmo: há problemas para os quais as suas escolhas não constituem solução e a prática comprova-o com a mesma clarividência com que faz desmoronar as certezas capitalistas de uma Direita embriagada por tanto poder.

A malvada realidade que dá cabo das melhores utopias!

Eu não sei onde estudam os filhos do resto da malta de esquerda, mas se é no Ensino Público então dificilmente não se confrontaram com uma questão prática com a qual o sistema em vigor, muito bem intencionado, nunca conseguiu lidar de forma eficaz: o impacto da presença dos chamados repetentes nas turmas a quem tocam na rifa.
Esse impacto, por quanto o sol brilhe para todos nós, sente-o no primeiro dia de aulas um pai que se vê obrigado a deixar uma filha com 10 anos de idade numa turma onde existem vários adolescentes com quinze e um rasto de perturbação do funcionamento das salas de aula que não deixa margem de manobra para a esperança de que o sistema o consiga evitar.
Esse impacto, por quanto todos os cidadãos mereçam oportunidades iguais, sente-o cada professor incapaz de evitar a descida colectiva das notas em turmas exemplares antes de acolherem esses casos problemáticos de miúdos (não necessariamente pobres e desfavorecidos) para os quais ninguém possui mecanismos eficazes de integração.

O politicamente correcto que a Esquerda utópica tanto acarinha, aquilo quedevia ser, não pode acontecer como o anseiam porque não é viável. E por isso mesmo não dispõem de propostas realistas para contrapor às soluções aparentemente menos simpáticas para resolverem problemas do quotidiano.
Nem sempre as decisões são tomadas em função dos agrados de gregos e de troianos, tal como não podem ser adiadas por falta de uma alternativa perfeita e consensual.
Os dogmas valem o que valem se não forem alvo de upgrades cada vez mais frequentes para acompanharem a pedalada da evolução como eles próprios a determinaram em boa medida, décadas esgotadas no braço de ferro entre versões tão opostas quanto mal sucedidas de um mundo sem paciência nem meios para suportar por mais tempo a discussão do sexo dos anjos num inferno como se está a criar.

Por isso já é tempo de mudar e de flexibilizar os critérios em função do pragmatismo que a iminência de uma bancarrota e de colapso social profundo deveria bastar para incutir, a ambos os lados desta barricada imbecil que coloca os futuros miseráveis a disputar cada extremo de uma corda que, esticada sobre um abismo feito de incógnitas, está presa por um fio.

13 comentários:

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  2. Que estamos na eminência de uma bancarrota, é uma evidência, que as propostas de esquerda são utópicas, sempre o serão, mas a grande maioria das conquistas sociais começaram por ser utopias, e é esse o campo da esquerda, o de estar sempre mais além. Que é preciso fazer algo para ultrapassar a crise é também outra evidência que esbarra frontalmente com as soluções desta ultra-direita, nada utópica, mas antes estúpida ou pior: criminosa. O défice tem agora um DESVIO COLOSSAL (pela boca morre o peixe) e isto após terem feito recuar os direitos utópicos que a sociedade conquistou como modus vivendi corrente e que seriam assim a causa, - qual pecado original-, a génese da crise. Nada público, é a palavra de ordem desta direita, quando tudo ou quase tudo o que é privado está a falir numa espiral implosiva tremenda que tudo absorve como se de um remoínho na corrente impetuosa de um rio se tratasse.
    Nada do que está a ser feito por este executivo (salvo algumas medidas de combate a fraudes que são de aplaudir, mas essas devem-se aos investigadores), nada, dizia, está a melhorar coisa alguma, antes a pelo contrário.
    A esquerda unida jamais será vencida? A esquerda nunca será unida. Uma das coisas de que as esquerdas enfermam é dessa visão messiânica típica. Mas flexibilizar? Flexibilizar o quê? Arrasar com toda as conquistas tornaram a sociedade europeia em senso lato, um modelo de sociedade? Voltar ao tempo da escravatura?
    Até quando as pessoas irão ceder sem revolta ao contínuo "downgrading" das suas vidas? Ou pensará esta direita, pragmática para umas coisas e completamente tonta para a grande maioria das outras, de que se pode manter um nivel cívico elevado enquanto continunamente se retiram os suportes materiais desse civismo?
    O exemplo do 1º de Maio no Pingo Doce mostrou bem a que poucos milímtros estamos de cenários de pilhagens. Os roubos e assaltos aumentam todos os dias, a violência sobe dia a dia, a confiança desce na mesma medida, e todos estes ingredientes são contrários ao investimento. Passos inaugurou a primeira parte da peça de terror e já soltou a besta, as partes seguintes nunca serão doces, voltar a prender a besta leva muito mais tempo do que abrir as grades que no fundo de cada Homem a segura.

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    1. Essa parte utópica das esquerdas é que estraga tudo :O(

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    2. Nem é pela utopia em si, mas pela falta de realismo no esforço de concretização e que as torna pouco mais do que demagógicas à luz das evidências. Sim, seria lindo um mundo pintado com as cores garridas da esquerda sonhadora mas a gaita é que alguém teria que construir e sustentar esse mundo antes da primeira de mão...

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  3. A parte utópica das esquerdas é a mais linda, é a mola real dos sonhos.
    Concretiza-los é que é uma porra, não é?
    Ainda pior quando há má vontade....

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  4. Não é preciso muito esforço para nos lembramos da utopia que era falar no fim do regime feudal em plena idade média; simplesmente impensável, do que custou a implantação do liberalismo após a queda da bastilha, o que custou por toda a Europa a queda dos regimes monárquicos e a implantação dos sistemas republicanos com a rotação de poder dependente de eleições, as oito horas de trabalho, o direito a férias, o direito a uma reforma-pensão no fim da vida útil, o direito de voto às mulheres . Tudo era utopia. Tudo era coisa de gente esquisita que o bom senso mandava evitar, gente perigosa que os poderes vigentes acabavam por guardar atrás das grades, só por causa das coisas....
    Esquecermo-nos da História, como fazem os ignorantes que nos governam, apenas conduz aos desnecessários cometimentos dos mesmos erros...e num habia nexexidade....balha-me deuzezezezeeezzzze----um. um

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