agosto 22, 2012

O Último Comício


As palavras cambaleavam como que embriagadas pelo cheiro nauseabundo das ideias exumadas no nexo de uma causalidade arbitrária, predestinada ou não, de uma constante aleatória, que as arrastava a custo pela pista feita palco de danças que todos em volta rotulavam de imenso intelectuais.
Mal se endireitavam, as palavras circunstanciais que se atropelavam pelo desespero de causa, perdida a deixa na memória que restava da história de vida de um péssimo orador, porque eram palavras perdidas, palavras cuspidas no momento de êxtase de um exorcismo qualquer praticado naquele palanque improvisado do qual emanavam uns sons que as palavras dançavam sobre as pernas vacilantes das mentiras que não as tinham para andar.
Piruetas extraordinárias e cambalhotas involuntárias, sem atenção ao ritmo marcado pelo que, à distância, parecia o rufar de tambores na exigência de dias melhores por parte da audiência que escutava as palavras atiradas à parede como barro que não colava porque a parede parecia ter ouvidos e rejeitava também ela, estupefacta, a lógica putrefacta das ideias exumadas da sepultura onde as arquivavam, nas valas (dos lugares) comuns, tantos enganados por apenas alguns que se revelavam agora desastrados com as palavras a utilizar.

As palavras tropeçavam sem cessar nas raízes da insensatez plantada mesmo à beira daquela estrada sem fim que se impunha percorrer, naquela terra deitada a perder num jogo com regras a fingir, muito pouco no entanto na cotação dos aprendizes de espertalhão cuja música ecoava em fundo como a banda sonora de uma comédia sem vontade alguma de rir.
O som de palavras desequilibradas pelas ideias desenterradas à pressa para cavarem afinal a própria sepultura, escravas da lucidez que lhes matava à nascença a ilusão da confiança que pretendiam inspirar.
O ruído assustador de um comboio de palavras a descarrilar, carruagens atafulhadas de palavras desperdiçadas na viagem sem regresso a uma terra prometida no baile de uma história encantada onde a música de fundo não deslustraria em velórios, ou mesmo em funerais.
Palavras tristes demais com a sua desdita, na expressão oral que depois era escrita e as envergonhava e parecia que cada ideia as embriagava para as ajudar a esquecer o lado abjecto da sua condição de reféns daquele grupo de artistas, prodigiosos malabaristas de modelos e de conceitos, de planos que pareciam perfeitos quando o barulho das luzes se sobrepunha ao de cada palavra que se expunha ao embaraço daquela humilhação porque a demagogia as transformava numa cacofonia sem sentido algum.

Tantos enganados somente por um, o mais convincente no poleiro, tantos atraiçoados pelo poder do dinheiro que comprava aquelas palavras malditas que eram palavras desditas em função do tamanho da ondulação no mar onde o naufrágio já acontecia mas a bordo ninguém parecia saber. Mesmo quando, à vista desarmada, já mal se avistava o último salva-vidas ao dispor.

8 comentários:

  1. Achas que ainda há um salva-vidas?!

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    1. Há imensos, mas já partiram todos para a terra do Salve-se Quem Puder.

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    2. Acho que há sempre um salvavidas. No fundo, o que se passa é que nos embalam neste mar da TINA, onde nos convencem que "There Is No Alterative". Nem a crise é um mar, e muito menos os botes podem ser as bigornas que o sistema tem atirado aos países em dificuldades. A crise onde toda a Europa se ve de repente mergulhada resulta de um plano bem urdido por uma máquina financeira tenebrosa e onde a Alemanha faz o papel de Judas.
      A demonstrar que Merkell, tão rígida como se apresenta, não entende nada do que está acontecendo, é o facto de ela julgar estar acima do desenrolar do enredo. Um pouco de conhecimento da História faria muito bem tanto a ela como por cá ao nosso tristão de serviço, e por extensão a todo o povo da Europa.
      Dariam um especial valor às frases "Roma não paga a traidores" e " Ai dos vencidos", no mesmo dia em que a crise lhes batesse à porta e ficassem de repente prenhes de outra sensibilidade quanto à necessidade de coesão politico-económica neste espaço civilizacional construido sobre milhões e milhões de vidas e sonhos perdidos.
      Esta Europa tem varrido os esqueletos para debaixo do tapete, ninguém é a Grécia, dizem quando as contas apertam, quando afinal a Europa que construimos durante estas décadas, assenta precisamente sobre o modelo de conviver nos sopés do Olimpo. A Europa que não quer ser a Grécia, não merece te-la. Os velhos Deuses não morreram, o que morreu foi a nossa visão deles.
      Quando Hades vier na sua carruagem dourada puxada por cavalos negros, todos irão ao fundo, a Alemanha que não duvide.

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    3. A carruagem dourada do Hades ficaria melhor puxada por cavalos azuis...

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    4. Poizera, jogavam muito melhor com os cortinados...

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    5. E liga lindamente com os reflexos do pó-de-arroz

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    6. Tem lógica. Eu tenho-lhes um pó por me estarem sempre a dar o arroz...

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