março 29, 2012

A posta amiga


Qualquer conceito, mesmo o mais simples de entender, possui a flexibilidade intrínseca das coisas susceptíveis de se submeterem à lotaria da interpretação individual. Ou mesmo colectiva, pois existem conceitos cuja interpretação e consequente aplicação prática variam de acordo com a localização de quem os adopta.
Quando por detrás de um conceito existem emoções entramos no domínio do aleatório nas interpretações e o consenso torna-se impossível.
A amizade pertence a esse grupo e isso torna-a passível de variar de pessoa para pessoa enquanto conceito ao ponto de qualquer semelhança entre as percepções de cada um/a não passar de pura coincidência.

Já li, já ouvi e já vivi a amizade, no melhor e no pior, o bastante para me sentir capaz de defender a minha definição pessoal e infelizmente intransmissível desse conceito tão moldável como a plasticina de que parecem construídas algumas relações rotuladas com esse selo de garantia de qualidade na ligação entre pessoas.
Aqui já começo a esboçar o cepticismo que caracteriza o meu saber mais de experiência feito do que fruto de algum tipo de teorização que, bem vistas as coisas, é tão infrutífera como a do sexo dos anjos.
A amizade séria, como gosto de lhe chamar, implica à partida alguma sintonia na interpretação do conceito ou pelo menos o respeito necessário pela inevitável diferença na forma como a sentimos, a entendemos e decidimos abraçar.

O abraço constitui, de resto, um excelente indicador para o calibre da emoção associada à amizade e essa não dispensa, na minha versão da coisa, uma ligação de tal forma forte e inequívoca que a transforma, a par com a frequência de contacto, quase numa relação familiar.
A amizade é amor, é o amor possível entre duas pessoas que não o podem ou não o querem viver e até pode (e deve) fazer parte de uma relação amorosa.
Por isso não pode ser entendida de forma leviana, aligeirando algo que qualquer pessoa sabe ser assunto sério quando dá pela falta ou quando percebe a diferença que um amigo de qualquer género pode fazer em bons ou maus momentos da existência da pessoa.

Um amigo é leal e de absoluta confiança.
Um amigo conhece-nos bem porque contacta connosco com a frequência suficiente para se manter a par e poder assimilar as nossas grandezas e as nossas misérias.
Um amigo está sempre presente nas aflições de forma voluntária e nos momentos especiais por inerência.
Um amigo chora por nós e faz das fraquezas forças para nos ajudar, nem que seja por se disponibilizar para ouvir, mesmo levando grandes secas.
Um amigo é indispensável, é um conselheiro, é uma referência que guiamos e nos guia ao longo de um caminho difícil de percorrer a sós e eu não tenho.

Mas também não sou.

março 27, 2012

Considerações sobre o Acordo Ortográfico

.”NUM D14 D3 V3R40, 3574V4 N4 PR414, 0853RV4ND0 DU45 CR14NC45 8R1NC4ND0 N4 4R314. 3L45 7R484LH4V4M MU170 C0N57RU1ND0 UM C4573L0 D3 4R314, C0M 70RR35, P4554R3L45 3 P4554G3NS 1N73RN45. QU4ND0 3575V4M QU453 4C484ND0, V310 UM4 0ND4 3 D357RU1U 7UD0, R3DU21ND0 0 C4573L0 4 UM M0N73 D3 4R314 3 35PUM4... 4CH31 QU3, D3P015 D3 74N70 35F0RÇ0 3 CU1D4D0, 45 CR14NC45 C41R14M N0 CH0R0.
M45, EL4S C0RR3R4M P3L4 PR414, FUG1ND0 D4 4GU4, R1R4M D3 M405 D4D45 3 C0M3C4R4M 4 C0N57RU1R 0U7R0 C4573L0. C0MPR33ND1 QU3 H4V14 4PR3ND1D0 UM4 GR4ND3 L1C40; G4574M05 MU170 73MP0 D4 N0554 V1D4 4 C0N57RU1R 4LGUM4 C0154 3 M415 C3D0 0U M415 74RD3, UM4 0ND4 P0D3R4 V1R 3 D357RU1R 7UD0 0 QU3 L3V4M05 74N70 73MP0 P4R4 C0N57RU1R. M45 QU4ND0 1550 4C0N73C3R 50M3N73 4QU3L3 QU3 73M 45 M405 D3 4LGU3M P4R4 53GUR4R, 53R4 C4P42 D3 50RR1R!! S0 0 QU3 P3RM4N3C3 3 4 4M124D3, 0 4M0R 3 C4R1NH0. 0 R3570 3´  F3170 D3 4R314..
Se conseguiu ler o texto, então é mais um que não teria qualquer problema em ler "directo" em vez do "direto" ou "excepção" em vez de " exceção", ou ainda " recepção" em vez de "receção"..etc etc...
Tentemos fazer o mesmo agora com Expecção e Eçecxão! Curioso, não é? E que tal a outra, Diercto e Derito ou Repceção e Reçãoce.
Este texto, muito mais do que uma mera curiosidade, expressa antes de mais o cerne de todo o qualquer argumento sério sobre o fenómeno da palavra escrita e as regras fundamentais, essencialmente psicológicas sobre as quais a grafia assenta. Muito se tem dito sobre o Acordo Ortográfico respeitante  `a língua Portuguesa. Os seus defensores agitam o discurso da inevitabilidade dando a entender que a "simplificação" levada a cabo foi a melhor forma de defender a sua universalidade, leia-se, a sua aceitação global dentro do universo Lusófono.
Poderia desfilar um ror de considerandos e argumentos a contradizer, mas bastam-me as seis linhas, seis simples e  singelas linhas seguintes, que decorrem do texto acima apresentado e que serve de cabeçalho  ao post, para arrasar esta enorme tolice a que se chama o AO90...:
"
De aorcdo com uma peqsiusa de uma uinrvesriddae ignlsea, não ipomtra em qaul odrem as lteras de uma plravaa etãso, a úncia csioa iprotmatne é que a3 lteras d3t3rminant35 etejasm no lgaur crteo. O rseto pdoe ser uma bçguana ttaol, que anida s3 pdoe ler sem pobrlmea. Itso é poqrue nós não lmeos cdaa ltera isladoa, mas a plravaa cmoo um tdoo. "


Repitamos então: Não lemos cada letra isolada, mas a palavra como um todo, ou seja, não soletramos letra a letra, a não ser quando inicialmente a aprendemos. Depois formamos uma imagem mental da palavra a partir dos seus elementos determinantes onde todas as letras e até o seu comprimento  em número de letras importa. Um "p", um "h" ou um "c" não precisam de ser pronunciados para que mentalmente contextualizem as palavras onde elas estão inseridas e definam todo o universo que lhe estão ligadas.
Já cansam os argumentos e falácias prós e contras, se " de facto veio de gravata" ou se "de fato veio de gravata" ou se alguém "para para ler" ou se "pára para ler". De tão evidentes as simplificações apresentadas na verdade complicam e confundem além de que nenhum outro idioma diversificado nas suas diásporas teve de ser unificado por imposição, pela simples evidência que não se pode nem se deve reduzir e empobrecer o que pela pluralidade se enriquece.
Por isso, não sendo contra o simplificação decorrente da algumas propostas, sou radicalmente contra esta coisa inqualificável que entra já no campo, não da simplificação, mas da complicação cientificamente comprovada como os textos acima demonstram.




março 26, 2012

A posta no bastão azul


Até podia achar coincidência o facto de estas imagens de polícias ávidos de baterem nas pessoas, sobretudo pessoas que informam, acontecerem quase sempre ao longo dos mandatos laranja no poder, mas não acho.
Ao eterno apelo da Direita para privilegiar a disciplina sem dispensar a repressão para mantê-la soma-se o evidente temor do actual Primeiro-Ministro de que as coisas descarrilem nas ruas e temos garantida a receita trauliteira que as palavras do poder insinuam e a vergonha no Chiado denunciou.

Já levei bastonadas da polícia e posso confirmar que aquilo dói mais do que a picada de meia dúzia de abelhas em simultâneo num mesmo local da nossa anatomia.
Aproveitei para deitar um relance à expressão do agente da autoridade que se preparava para me aviar a segunda de mão quando entendi bater em retirada, centenas de metros até o peso da couraça daquela amostra derobocop o forçar a desistir da perseguição, e percebi que a criatura não estava de todo aberta ao diálogo e a uma amena troca de impressões acerca do facto de aquela ser (mais) uma carga policial desnecessária e violenta em demasia para o que estava em causa na altura.
Ficam fora de si, os homens fardados a quem compete espancar os que discordam ou, como no exemplo mais recente se percebe, apenas incomodam com o relato das proezas de quem se pode transformar numa destravada arma de arremesso do regime quando o caldo entorna e o povo decide reclamar onde a Democracia o deixa.

É isso que recordo quando acontece mais um episódio daqueles que o tempo e diversas investigações e inquéritos inconsequentes acabam por reduzir a um incidente sem grande expressão, até porque, como este povo pacato se apressará a referir, até nem morreu ninguém.
Pois não morreu, mas podia ter morrido. Ou pelo menos sido gravemente ferido como o jovem a quem um tiro da polícia nos desacatos nas portagens da ponte 25 de Abril amarrou a uma cadeira de rodas. E seja como for, não podemos estar reféns da dimensão das consequências para a avaliação da gravidade do que se passou.
Foi grave, como o são todos os abusos de autoridade, como o são todos os ataques à liberdade de informação que, por muitas histórias que se contem, ficam bem expressos na intimidação que se quer vincar quando se espancam jornalistas identificados na condição. Para deixar um aviso à navegação, devidamente condimentado com a sugestão de indumentária e de posicionamento para salvaguarda da segurança não dos jornalistas mas da imagem futura de um Governo que até estranha tamanha pacatez perante tanto desmando, tanta dificuldade que nos impõe a ressaca do mau desempenho de quem nos tem governado desde que a (primeira) Revolução aconteceu.

Pensava eu que o terror popular perante as fardas (na altura cinzentas) dos que batiam sem dó nem restrições ao mínimo sururu em qualquer local público, com particular apetência pelas redondezas dos estádios de futebol, treinando à época para uma ameaça real dos nossos dias, a das claques organizadas, tinha acabado mas na altura era imposto sem recear uma Imprensa censurada que virava a cara para o lado ou levava com o lápis azul, ou pior. Mas agora caminha-se de regresso a esses dias sem lei para alguns.
E é essa a vontade dos que mandam ou permitem ou sugerem que se espanquem profissionais da Informação no exercício das suas funções, substituir pelo medo as ferramentas que no passado tanto jeito deram a quem governou.

E é essa a realidade obscura por detrás destes abusos que apalpam o pulso à contestação enquanto o tentam torcer à bastonada, tentando amedrontar os que se manifestem e aqueles que possam “denegrir” com a detergente verdade dos factos todos os esforços, todos os discursos institucionais hipócritas de alegada condenação da violência que, para acontecer, careceu de alguma autorização (dita) superior e que visa especificamente intimidar todos quantos protestam as suas queixas mais aqueles que as possam amplificar.

Sai-lhes sempre o tiro pela culatra quando nem assim os conseguem silenciar.

março 25, 2012

«Apoios à família e à maternidade» - Jaime Ramos

A classe política, de todos os partidos, devia dar o exemplo assumindo a liderança no apoio à maternidade. Infelizmente a classe política dá ideia que, preocupada com os votos e com o imediatismo das sondagens, está incapaz de prever problemas à distância de algumas décadas e de os prevenir.
O Governo ( do Engº Sócrates) tinha anunciado algumas medidas de apoio financeiro à maternidade. Eram medidas com valores muito reduzidos, quase insignificantes. Confrontados com a necessidade de tomar as primeiras medidas de poupança deu o dito pelo não dito, rasgou as promessas, e retirou as medidas de apoio à família mesmo antes de terem entrado em vigor.
É gente sem palavra, capaz de faltar à palavra dada, e às promessas, sem sentir vergonha.
Mal vai um país onde o governo corta nos apoios às famílias, alegando dificuldades orçamentais, não incentiva a natalidade, impede a natural substituição de gerações, mas insiste no endividamento e nas obras megalómanas, sem sustentabilidade económica.
Com a justificação da crise corta no subsídio aos pobres e no apoio às famílias mas continua a anunciar mais uma ponte em Lisboa e o TGV para Madrid. Lisboa não precisa de uma nova ponte. Precisa é de políticos capazes de evitar o contínuo esvaziamento da cidade, cada vez mais habitada só por velhos, atirando as pessoas e as famílias mais novas para as periferias, deixando cair em ruína o património edificado, para garantir lucros fáceis aos projectos de imobiliário nos seus subúrbios. Portugal não precisa de se endividar ainda mais para construir um TGV, um novo aeroporto ou uma terceira ponte em Lisboa, mas tem absoluta necessidade de mostrar capacidade para gerar crianças, que garantam futuro ao país.
Todos já percebemos que somos governados por gente pouco sensata, que meteu na cabeça a ideia que o défice na balança externa não constituía problema.
O défice na natalidade não é menos perigoso, embora com consequências mais distantes. Aparentemente também não preocupa as cabecinhas que ocupam a liderança do país.
Com frequência lemos notícias com apoios directos à criação de empresas e postos de trabalho. É importante que o Governo o faça. Temos um desemprego socialmente preocupante, até porque reduzimos os subsídios aos desempregados. Precisamos de aumentar a produtividade do país e nada melhor que conseguir pôr todos a trabalhar. Se precisamos de produzir mais é errado manter gente sem trabalhar.
Longe de mim criticar apoios à criação de emprego mas parece-me que a questão da natalidade devia merecer pelo menos idêntica preocupação.
As crianças geram emprego nas maternidades, nas lojas ligadas aos produtos infantis, nas creches, infantários, escolas, universidades
As crianças vão dentro de duas décadas ser trabalhadores que desenvolverão o país. Sem esses novos trabalhadores não haverá quem produza, quem pague as despesas do Estado e as pensões dos reformados. Não há sustentabilidade sem novas gerações numericamente suficientes para suportarem a despesa com os apoios aos mais velhos, que já não estarão aptos para trabalhar.

Jaime Ramos
Excerto do livro «Não basta mudar as moscas»

março 23, 2012

N.A.O. | Ora vamos lá a ver se a malta se entende

A verdade é que já não posso ouvir falar do maldito acordo ortográfico (N.A.O.), que já por aqui fez correr muita tinta.
E, quando oiço outras pessoas dizerem o mesmo, que estão fartas do assunto e que era atirá-lo pela janela porque está pejado de idiotices, estou absolutamente convencida de que só se amaldiçoa o que se conhece, da mesma forma que só se gosta do que não nos é estranho (ok, ok, este último período dava para outro post, mas deixêmo-lo assim, que para o assunto chega bem).
Estava rotundamente enganada.

A nova virose facebookiana (não informática, ressalve-se, mas pior: a da ignorância que se alastra acriticamente) radica na imagem que se segue:


E esta imagem vi-a, há uns dias largos, no perfil do D. e hoje no perfil da A..
No outro dia, um dos meus professores referiu-se a esta frase como sendo de Miguel Esteves Cardoso (lá nos idos anos 90, quando todo o processo começou) e subscreveu-a. E foi então que comecei a ficar preocupada.
Aos dois (D. e A., apenas; quanto ao professor, fiz de conta que estava muito distraída, já que a conversa não era comigo) expliquei que a mensagem não era só enganosa, antes constituía um rotundo erro, não só porque o acordo não prevê qualquer alteração na acentuação das palavras exdrúxulas, que continuam a sê-lo na (antepenúltima) sílaba tónica, como também porque a palavra facto, em Portugal, manter-se-á tal como está, justamente porque se lê o C e a regra geral é a de que desaparecem as consoantes mudas (esqueçam os agás no início das palavras, esses ficam, ok?); já no Brasil, continuar-se-á a escrever fato - um dos muitos casos de dupla grafia que, quanto a mim, são o maior dos argumentos contra esta parvoíce: se é para manter excepções, por que não deixar as coisas como estão?
E pronto, poderia quedar-me pela dilucidação e estava feito.
Mas não deixa de me fazer comichões esta imensa impressão de que, quando fala, a maioria das pessoas não sabe do que fala. E isso é tanto triste como assustador.


Nota: não, a minha formação não é linguística, tenho tanta obrigação de conhecer o N.A.O. como qualquer outro cidadão e só sei do que falo porque estou ciente de que o conhecimento nunca fez mal a ninguém, por um lado e, por outro, porque não falo do que desconheço. Sim, sim, já sei... manias minhas!!

março 22, 2012

Ódio aos mouros

Praticamente toda a vida me chamaram "moura", enquanto morei a Norte - tem lógica, não tenho sotaque de cá, cometi o crime de ter nascido na Maternidade Alfredo da Costa, passo as festas a Sul e a minha família é toda lá de baixo.
No resto da vida, enquanto morei a Sul, apelidaram-me de "tripeira", porque era a morada que constava do meu bilhete de identidade e o sítio onde me considerava em casa.

As pessoas têm necessidade disto, de chamar coisas às outras, de as rotular.
E até aqui ainda vou.
Chego a fazer de conta que não reparo quando se diz mal dos "mouros", abrindo uma excepção condescendente para mim, que não tenho vergonha das minhas origens (e não as escondo, como não o faria se tivesse nascido a Este ou a Oeste - no meio do Atlântico, sei lá). Como que me suportam, apesar delas (será suposto agradecer?). Yeyy, sou uma sortuda.
Atinjo o ponto de esboçar um sorriso quando, entre amigos, se fala de "Lisboa a arder" - estão a brincar, só podem, não seria possível que se falasse a sério, pois não?

Mas depois leio coisas.
Oiço coisas.
Vejo coisas.
E sou remetida para situações em que alguém clarividente se considerava superior em nome da cor de pele, de uma raça, do sítio onde se nasceu, de uma ideologia, uma religião ou do género a que pertence.
E não encontro diferença alguma entre o ódio que se tem aos outros por qualquer desses motivos e as palavras cuspidas (mesmo escritas, são violentamente cuspidas) porque um clube que não é o nosso ganhou um jogo ao que é nosso: e o mau perder transforma-se no ódio aos mouros (que são só de uma cor, a despeito das muitas que há lá para baixo), cujo estádio deveria explodir e, já agora, a cidade toda e, por que não?, todos os que não nasceram iluminados ao ponto de gostarem de azul e branco (mais uma vez, sempre fui alvo da misericórdia alheia, porque, não sendo dos azuis do Norte, também não cometo o crime maior de ser de outra coisa qualquer ou, na pior das hipóteses, vermelha da mouraria).
Não estou a falar de clubite, estou a falar de algo muito maior, que urge reconhecer: hoje, li qualquer coisa como os mouros do Norte serem tão traidores como o seria um judeu nazi (ou outra balela qualquer, não sei se as palavras eram exactamente estas mas o sentido era-o).

E eu posso eliminar estas alminhas do Facebook e esquivar-me à leitura de atrocidades.
Mas elas continuam aí e isso assusta-me sobremaneira.
(E nem venham com a treta de que estas coisas não são para levar a sério; foi porque não se levou a sério muitos outros tipos de discriminação que elas atingiram o ponto que atingiram.)


Nota a posteriori: note-se que o exemplo que dou é apenas ilustrativo e não representativo, no sentido em que qualquer ódio, venha de que cor vier, é condenável per se.

março 21, 2012

no dia mundial da poesia, uma coisa poética c'umò caraças!

Mãos amigas fizeram-me chegar estes textos prenhes de poesia e não quero deixar de as partilhar com quem por aqui passe:
POEMA I -

9. 7 1 0. 5 3 9. 9 4 0, 0 9 euros

PARA TRADUZIR. E NÃO ESQUECER

Em linguagem matemática, os números cardinais são classificados em grupos de três - unidade, dezena e centena e estes grupos são divididos por classes.
- Classe das Unidades - Unidade, dezena e centena
- Classe dos Milhares - Milhar, dezena de milhar e centena milhar
- Classe dos Milhões - Unidade de milhão, dezena de milhões, centena milhões
- Classe dos Biliões - Unidade de bilião, dezena de biliões e centena de biliões
- Classe dos triliões - Unidade de trilião ... (não é necessário pôr mais na carta)
  e então :
9. 7 1 0. 5 3 9. 9 4 0, 0 9 €   são

- NOVE MIL SETECENTOS E DEZ MILHÕES, QUINHENTOS E TRINTA E NOVE MIL E NOVECENTOS E QUARENTA  EUROS E NOVE CÊNTIMOS.

ou, numa linguagem de milhões de euros

9 . 7 1 0 . 5 3 9 . 9 4 0 , 0 9  (NOVE-MIL-SETECENTOS-E-DEZ-MILHÕES-DE-EUROS)

CASO BPN: ESCÂNDALO E IMPUNIDADE

A burla cometida no BPN não tem precedentes na história de Portugal !!!
O montante do desvio atribuído a Oliveira e Costa, Luís Caprichoso, Francisco Sanches e Vaz Mascarenhas é algo de tão elevado, que só a sua comparação com coisas palpáveis nos pode dar uma ideia da sua grandeza.

Com 9.710.539.940,09€  (NOVE MIL SETECENTOS E DEZ MILHÕES DE EUROS.....) poderíamos:

Comprar 48 aviões Airbus A380 (o maior avião comercial do mundo).
Comprar 16 plantéis de futebol iguais ao do Real Madrid.
Construir 7 TGV de Lisboa a Gaia.
Construir 5 pontes para travessia do Tejo.
Construir 3 aeroportos como o de Alcochete.
Para transportar os 9,7 MIL MILHÕES DE EUROS seriam necessárias 4.850
carrinhas de transporte de valores!

Assim, talvez já se perceba melhor o que está em causa.
Distribuído pelos 10 milhões de portugueses, caberia a cada um cerca de 971 euros  !!!
Então e os Dias Loureiro e os Arlindos de Carvalho onde andam?!
E que tamanho deveria ter a prisão para albergar esta gente?!

ONDE ESTÃO OS PRESIDENTES DA REPÚBLICA, OS MINISTROS, DEPUTADOS, JUÍZES, AUTARCAS, ETC. ETC., PARA DEFENDER O NOSSO POVO?

*
POEMA II -

António Nogueira Leite vai ser vice-presidente executivo da Caixa Geral de Depósitos e ganhar mais de 20 mil euros por mês.
O académico, que foi conselheiro de Pedro Passos Coelho (quem diria?), vai assumir funções executivas, ocupando o lugar de número dois do próximo presidente executivo do banco público.

Actualmente já é:
- administrador executivo da CUF,
- administrador executivo da SEC,
- administrador executivo da José de Mello Saúde,
- administrador executivo da EFACEC Capital,
- administrador executivo da Comitur Imobiliária,
- administrador (não executivo) da Reditus,
- administrador (não executivo) da  Brisa,
- administrador (não executivo) da Quimigal
- presidente do Conselho Geral da OPEX,
- membro do Conselho Nacional da CMVM,
- vice-presidente do Conselho Consultivo do Banif Investment Bank,
- membro do Conselho Consultivo da Associação Portuguesa para o Desenvolvimento das Comunicações,
- vogal da Direcção do IPRI.

É membro do Conselho Nacional do PSD desde 2010 (depois de ter sido governante pelo PS).

            " este senhor merece o que ganha pois trabalha que se farta!!!"

março 20, 2012

Fazemos greve ou não fazemos greve?

Vem aí, no próximo dia 22, uma nova greve geral. Pelo menos, assim está anunciado.

Aprontam-se, uma vez mais, os comentadores mais ou menos liberais ou das diversas nuances da direita, se quiserem, a iniciar qualquer comentário com o hipócrita, ainda que cauteloso, lugar-comum à guisa de intróito: «- Sem querer negar o inalienável direito à greve…, etc., etc. , etc.», cabendo em todos estes et coetera, as verborreias mais demagógicas ou retrógradas que imaginar se possa no sentido de denegrir o acto cívico e constitucionalmente consagrado.

À esquerda, para além do consabido cumprimento de receitas que nos chegam já dos egrégios avós – que, aliás e pelo que se vai vendo, não hão-de guiar-nos à vitória… – , legítimos e legitimados por tanta abnegação, solidariedade e sangue derramados no longo caminho da História, não se vislumbra golpe de asa que nos aponte caminhos de outros voos, que nos afastem do atoleiro em que estamos.

Receio bem, com estas apreciações, deixar-me eu resvalar para a apologia do pântano da anarquia e do caos, tão pouco apelativos para a imensa mole humana a que pertencemos, mas a verdade é que, após cada acto cívico e de luta como o que se aproxima, me fica depois uma sensação de vira-o-disco-e-toca-o-mesmo – expressão que hoje não dirá nada às novas gerações, mas que é bem conhecida dos cinquentistas, sessentistas e setentistas que ainda por cá andamos. Gerações do vinil, dir-se-ia.

Veja-se, como mero exemplo, o caso das históricas mega-manifestações dos professores, nas convulsões agónicas do recente período «socrático», abafadas pelo silêncio e omissão criminosos do governo de então e, afinal, completamente inconsequentes no que toca ao rumo sindical a que a coisa levou, em absoluta néscia ou não menos deliberada e, assim, criminosa descapitalização de tanta e tão grande mobilização de uma classe profissional, porventura a maior do País que somos.    

Na verdade, parece que basta um governo impopular, qualquer que ele seja, constituir-se como peso morto e sem resposta para, pelos vistos, qualquer manifestação – onde se inclui a greve – deixar tudo e todos indiferentes. Ainda que sempre em pior estado, pois a História, tal como o tempo, não pára e são especialmente duros com a inércia.

No entanto, bastaria que os professores anunciassem uma greve às notas dos alunos – como já ocorreu, pelo menos em termos de ameaça – para logo cair o Carmo e a Trindade!

Ocorre-me, até, uma greve à cobrança de bilhetes nos transportes, que se fez em tempos já longínquos, mas que motivou um ouriçamento desusado por parte do governo de então.

Ocorre-me, ainda,  uma velha luta, hoje abandonada, que consistiria em promover aumentos salariais mais equitativamente distribuídos, em função da massa salarial disponível, e não os injustos e tão cómodos aumentos com base percentual, que levam a que, após intensos meses de negociações, venham a ser mais beneficiados os que mais avessos são à boa conclusão dessas negociações.

Parece-me, pois, que aqui é que residirá o busílis da coisa: há que sermos capazes de descobrir novas pontas a esta meada emaranhada que nos constrange; há que sermos, aqui também, criativos e originais e dar a porrada no sítio onde dói e faz mossa e não desperdiçarmos mobilizações e ímpetos revolucionários ou de mero descontentamento em mezinhas que se revelam invariavelmente ineficazes e inócuos… e que o «capital» agradece.

O Estado ou o governo que em cada momento o representa, enquanto representante zeloso desse «capital» e não do povo que supostamente devia representar, agradece, também, reconhecidamente… e aproveita para agravar os impostos

Isto tudo, claro, sendo obviamente a  greve, também, um direito inalienável dos cidadãos…

março 18, 2012

A posta num picoito interrompido


Volta e meia os moralistas do costume decidem reagir por antecipação, aproveitando o ensejo para adicionar as guerras perdidas no passado e que acabam por relacionar umas com as outras porque acham que faz tudo parte do mesmo esquema medonho, da gigantesca conspiração das minorias para conspurcarem o sistema perfeitinho e maneirinho que vêm moldando desde os tempos da santa inquisição.
Parece ser o caso, pois o Picoito não é o primeiro a (ab)usar (d)o microfone e (d)o teclado para influenciar mentalidades a tempo de estarem prontas para enfrentarem eventuais referendos no futuro, inclusive na estratégia estafada de relembrar derrotas do passado, como a da IVG, para tornarem ainda mais terrífico o papão libertário.

Julgo que a esquerda actual tem mais em mãos para ficar entretida do que trazer para a berlinda o melindre da adopção por casais não compostos pelo ancestral binómio macho/fêmea. Não, nem lhes chamo casais homossexuais pois se a lei lhes reconhece o estatuto de casais é isso que são e nem mesmo a ILGA deveria destacá-los dos restantes como se fossem uma espécie ameaçada.
É impossível dar conversa e entender a motivação de alguém que se veste paladino de uma causa que consiste em desacreditar cidadãs e cidadãos da sua capacidade de criarem filhos por via da sua orientação sexual não padronizada nos cânones da maioria. Contudo, é igualmente impossível aceitar que transmitam o contágio conservador por todos os meios ao seu dispor sem tentar equilibrar a parada da argumentação. Sobretudo quando o impulso é prematuro e, por inerência, a motivação se torna um tudo nada missionária.

A questão dos princípios parece-me ser a que está em causa em ambos os lados desta divergência. Se para os Picoitos deste mundo a cena do amor e do casamento e da família só é como deve ser se nela intervierem sempre cidadãos de géneros diferentes (ou será que se comprovadamente não forem homossexuais já podem ser do mesmo?), para muitas outras pessoas sem acesso a microfones o princípio é outro e diz que toda a gente é livre de se assumir nas suas diferenças, ainda que se trate de grupos minoritários, e não merece por isso um tratamento distinto por parte de quem as não tolera.
A coisa vista deste lado soa a medieval porque qualquer fundamento para a discriminação tem que recuar a esses dias em que os costumes eram impostos à bruta, ou pelo menos aos tempos mais recentes em que a diferença era tida como uma ameaça a exterminar, se tivermos em conta a necessidade de inferiorizar grupos de cidadãos na sua capacidade plena por via da cor da pele, da orientação sexual ou do diabo que carregue os tais cruzados com sede repressora.
A coisa vista deste lado soa a desprezo não por quem é portador de uma diferença incómoda mas por quem ousa assumi-la e reclamar esse direito às claras. Não faltam os escândalos de alcova, os segredos escapados a bastiões, mesmo sagrados, alegadamente insuspeitos, dessa moral tradicional para o evidenciar.

Por tudo isto estamos perante mais uma falsa questão, mais um erguer do eterno papão antes que a Democracia, algum referendo maluko ou assim, faça das suas e desminta pela maioria expressa em votos a ilusão alimentada por uns quantos de que ainda é a sua a versão correcta e generalizada de um mundo como se quer.
É esse o medo que agita os Picoitos nas catacumbas da sua sociedade perfeita na uniformidade, sem mácula à superfície, perdoada em segredo pelos seus desvarios nos bastidores, incapazes de aceitarem a mudança que não se pode proibir como dantes se podia e de reconhecerem aos outros o mesmo estatuto se não o souberem merecer com, pelo menos, o sigilo, o encobrimento dessas tentações demoníacas que só podem entender como doenças ou, num patamar superior de alucinação, como maldições que desejariam banidas mas, no mínimo, pretendem impedir de usufruírem de uma cidadania plena se for desajustada da realidade que os Picoitos pretendem, de facto, impor.

Eu não subscrevo essa irritante mania.

março 17, 2012

«Desemprego e desigualdade. Capitalismo e Pobreza» (parte 4) - Jaime Ramos

A riqueza, principalmente a herdada, é um fraco indicador de mérito pessoal. Biologicamente os espermatozóides e os óvulos transmitem qualidades e defeitos mas não devem transmitir contas bancárias e património.
Uma das medidas fundamentais é implementar um sistema fiscal que incida sobre as sucessões e doações.
É legítimo trabalhar em excesso para deixar património aos descendentes, mas a transferência de grandes fortunas deve pagar imposto, que pode ser canalizado para apoiar os mais carenciados e a educação daqueles que, sem culpa, nascem pobres.
A actual situação de se poder herdar fortunas imensas isentas de pagamento de qualquer imposto é injusta. É aceitável que a transferência de direitos de propriedade entre familiares directos possa estar isenta até alguns limites, tal como se podem isentar as pessoas de menores rendimentos de pagar impostos de trabalho. É imoral defender que alguém não precise de trabalhar toda a vida só porque é filho de um berço de ouro, enquanto aquele que nasceu na pobreza vai ter de trabalhar toda a vida, sem expectativas de poder mudar de estilo de vida. É ilegítimo não querer pagar imposto pelo privilégio, de viver bem sem trabalhar.
Uma sociedade justa deve criar imposto sobre as doações e sucessões, com taxas progressivas, onde os que mais herdam mais pagam.
O mesmo princípio deve obrigar a criar um sistema de pensões de reforma que garanta um rendimento mínimo, acima do limiar de pobreza (60% do salário mediano), a todas as pessoas que trabalharam e descontaram durante todo o período contributivo previsto. Não é aceitável que uma pessoa que teve toda uma vida de trabalho tenha uma pensão abaixo do limiar de pobreza.
Em simultâneo temos de criar limites às pensões e às acumulações. A situação actual, em que há altos quadros do Estado e/ou políticos a acumularem pensões principescas é inaceitável quando se reduzem apoios a quem vive abaixo do limiar da pobreza. Mais inaceitável porque a generalidade destas situações não se deve a uma vida contributiva completa mas sim a privilégios referidos a meia dúzia de anos de serviço.
A regra deve ser a não acumulação de reformas ou subsídios vitalícios e a definição de um limite máximo para as pensões de reforma pagas pelo Estado.
Nas pensões pagas pelo Estado deve haver um limite mínimo que garanta uma vida acima de um limiar de dignidade humana e um tecto máximo que atenue as desigualdades existentes.
Nos salários da Função Pública e das organizações ou empresas públicas, participadas e controladas pelo Estado, deve ser adoptado o mesmo princípio de existência de limite mínimo que garanta uma vida digna nos níveis salariais mais baixos e um máximo que não seja ofensivo para as pessoas que vivem dificuldades.
Nos rendimentos particulares, fora da órbita do Estado, deve haver um salário mínimo bastante acima dos actuais limites, e total liberdade para as empresas pagarem aos seus quadros, sem qualquer limite.
O Estado não tem o direito de impor um tecto salarial a uma empresa particular mas tem o dever de criar um sistema de imposto progressivo, o actual IRS, que seja de facto justo. Os salários, pensões ou subsídios vitalícios pornográficos devem pagar uma taxa elevada que pode e deve ultrapassar os 50%. Para o cálculo da matéria colectável devem ser incluídas as despesas de representação e os prémios que frequentemente são superiores á remuneração mensal oficial. Os EUA em 1970 aplicavam taxas de 70%. Com Reagan desceram para 50% em 1981.
Sendo verdade que o Estado não deve impor limites máximos salariais às empresas privadas é desejável que a população tenha um juízo crítico contra os gestores que abocanham salários obscenos, sem respeito pelos pequenos accionistas nem pelos consumidores dos seus produtos, que pagam preços exagerados para alimentar a voracidade destas administrações.
É desejável que os consumidores olhem para a EDP ou para a PT e percebam que estão diariamente a pagar serviços caros, cuja única justificação é a falta de concorrência efectiva. Os portugueses devem sentir indignação ao pagar preços excessivos para que outros vivam à grande e à francesa.
De facto é como se estas empresas, abusando de não haver efectiva concorrência, roubassem diariamente um pouco a cada português, na factura que lhes apresentam, para garantir lucros e salários exorbitantes aos gestores.
Não basta um católico dizer-se católico. Tem de ter actos de acordo com a religião. Não basta dizermo-nos defensores da igualdade e da fraternidade. Não bastam as palavras. São precisos actos. Não basta festejar a república e os seus cem anos. É preciso lutar para que ela seja melhor, renovada, mais legítima e mais justa.
Um dos problemas mais graves do nosso país residiu no facto de, após a adesão à UE, Portugal ter criado um modelo de crescimento assente no betão e sem sensibilidade social. O dinheiro fácil foi utilizado para agravar as desigualdades sociais. Podemos falar de um modelo selvagem, que promoveu as compras dos Ferraris, não só no Vale do Ave, e outras manifestações de novo riquismo, apostando num baixo salário mínimo.
Um país rico, atraente, com boa qualidade de vida, não se constrói com especialistas sem visão geral, sem utópicos que persigam a sociedade perfeita, sem pessoas com preocupações sociais.
Não pode haver desenvolvimento duradouro e sustentável sem democracia. A história sempre mostrou que são os países com menos desigualdade que conseguem não só os maiores sucessos de bem-estar como maior crescimento económico.

Jaime Ramos
Excerto do livro «Não basta mudar as moscas»

O Português que descobriu a América

Entrevista com Pedro Laranjeira no programa "Fórmula Resolvente" da TVL, sobre Cristóvão Colon e a descoberta da América.

«O divórcio povo/classe política» - Jaime Ramos

O Governo decretou o aperto do cinto.
Os portugueses, conscientes das dificuldades, têm revelado um grande espirito de sacrifício.
No sector publico há áreas de privilégio, com níveis salariais médios muito superiores aos dos funcionários públicos.
É o caso da TAP, da CGD, RTP, Banco de Portugal….
É a esta casta de “excelência” que o Governo decidiu tolerar excepções nos cortes salariais.
Trata-se de uma das medidas mais injustas do Governo.
Perante a “fome”, que impõe à generalidade dos funcionários, não devia o Governo permitir que alguns, não só mantenham situações de privilégio, como ainda beneficiem de excepções nos cortes decretados.
O Governo errou. O Governo cedeu aos lóbis da TAP, da CGD e do Banco de Portugal.
E os sindicatos? E os partidos da oposição: PS, PCP, BE ?
Vieram a terreiro criticar o Governo?
Conhecem posições firmes destas forças políticas ou sindicais, ou de outros parceiros sociais, contra a moleza do governo?
Não duvido que o povo se sente injustiçado perante esta política de excepções salariais.
Como é possível o silêncio conivente das centrais sindicais e dos partidos da oposição? Como é que não têm a coragem de exigir justiça e gritar a sua oposição à manutenção destes privilégios?
Portugal chegou à actual crise graças à conivência desta classe política, do governo e da oposição, que foi empobrecendo o País.
Este caso mostra claramente a distância entre os políticos e o povo que deviam representar.
Este regime de excepções salariais prova o divórcio claro da classe política relativamente à injustiça que martiriza o nosso povo.

Jaime Ramos
Autor do livro «Não basta mudar as moscas»

março 16, 2012

«Desemprego e desigualdade. Capitalismo e Pobreza» (parte 3) - Jaime Ramos

Um país desigual promove uma sociedade não só menos justa, no plano da moral, como possui indicadores de qualidade de vida claramente inferiores.
O Japão, graças à baixa desigualdade, tem a maior esperança de vida no planeta. Está claramente demonstrado que quanto mais desigual for o país, menor é a esperança das pessoas terem bons indicadores de saúde e uma maior longevidade.
Os quatro países mais igualitários são o Japão, a Noruega, a Suécia e a Finlândia.
Aconselho a leitura do Livro “O Espírito da Igualdade” de Richard Wilkinson e Kate Pickett, onde através de estudos científicos e estatísticos, comprovam a superioridade dos países com menor desigualdade social.
Os povos que mais resistem à desigualdade social são aqueles que têm uma melhor qualidade de vida de acordo com os indicadores internacionais normalmente utilizados para fazer as comparações.
Adoptar políticas que favoreçam a desigualdade, com base na crença não demonstrada que se beneficia a economia, tem como consequência menor coesão social, mais maternidade adolescente, maior violência, mais crime, maior consumo de drogas, maior obesidade.
Se quisermos uma sociedade mais amigável, com menos violência e menos crime, mais educada e mais saudável, com menos doença mental, menos obesidade, menos risco cardíaco, com maior esperança de vida, teremos de investir em políticas de redução da pobreza e combate às desigualdades.
No sistema capitalista, o único a funcionar, a avareza e a ganância são as motivações fundamentais. É profundamente errado confundir lucro justo e remuneração adequada do capital com exploração selvagem do mais fraco.
Não podemos esquecer que a supremacia do capitalismo, perante as doutrinas socialistas, foi conquistada graças à liberdade e à democracia.
Não pode haver sucesso em quadros de igualdade absoluta, ainda por cima assentes em regimes sem liberdade. O desastre histórico das utopias comunistas e socialistas, com a sua deriva, na prática, para ditaduras perigosas e economicamente ineficazes, deixaram o mercado à solta.
Em jovem enfrentei o facto de grande parte dos meus colegas terem acreditado nos paraísos socialistas e comunistas, em muitos casos “gulags” de morticínio de dissidentes. Hoje sinto que a mesma loucura, acrítica, cega, obnubila o pensamento de muitos políticos e largas faixas da população quando não se opõem a políticas que aprofundam a desigualdade e alargam o fosso entre os ricos e os pobres.
Mas uma coisa é o capitalismo selvagem, um mercado sem regras, onde toda a ganância é possível e outra, que defendemos, a manutenção de um mercado livre com obrigações sociais.
O bloco europeu, e mais marcadamente os países nórdicos e o Japão, quando comparados com o resto do mundo são a prova de como as sociedades que mais combatem a desigualdade funcionam melhor.
Temos a obrigação de criar um País competitivo e produtivo. Não o faremos se continuarmos cegos pelas teorias políticas que favorecem a ganância e um capitalismo selvagem, que se autodestruirá, como a recente crise internacional está a demonstrar.
Um futuro melhor e uma sociedade mais amigável, mais fraterna, mais segura, com menos crime, exige políticas que, respeitando o mercado, não se demitam de o regular e domesticar, impondo preocupações sociais e de protecção aos mais frágeis.
Nunca defendi métodos radicais, revolucionários, mas acredito que podemos dar passos, maiores ou menores, no sentido correcto, visando criar uma sociedade mais justa, mais fraterna, mais humana. Sou social-democrata porque sempre defendi um processo reformista da sociedade, em oposição às revoluções pacíficas ou infelizmente mais frequentemente violentas ou sanguinárias.
As pessoas não são iguais pelo que não é correcto defender um igualitarismo imposto. Uma sociedade justa apoia os menos aptos, para que possam competir e garantir mínimos adequados, incentiva os superdotados, mas não os deixa cair na tentação de se apropriarem de tudo.

(continua)

Jaime Ramos
Excerto do livro «Não basta mudar as moscas»

março 14, 2012

Nós todos a sermos tratados com medicina a martelo...

... e o vírus da especulação financeira continua como se nada acontecesse!

Excertos do artigo do Jornal de Negócios
«Como o Goldman Sachs se tornou "tóxico": carta de um director em dia de demissão»

"Greg Smith orgulhava-se de trabalhar no Goldman Sachs. Até se aperceber de que o interesse dos clientes já não faz parte da cultura do banco. "Nem um segundo é desperdiçado a lançar questões sobre como podemos ajudar os clientes". É por isso que hoje, num artigo no "New York Times", explica porque se demite.
Há um encontro de responsáveis pela sala de derivados do Goldman Sachs. Ninguém gasta um segundo a perguntar como é que os clientes podem ser ajudados. O que interessa para os gestores é como obter o máximo dinheiro possível dos clientes. (...)
Greg Smith, actual director executivo do Goldman Sachs e responsável pelo negócio de derivados na Europa, Médio Oriente e África, começou a trabalhar no banco norte-americano, como estagiário de Verão, há quase 12 anos. Durante 10 anos esteve em Nova Iorque. Agora está em Londres. Até hoje. Porque o ambiente mudou. Porque a forma de se conseguir a liderança no banco se alterou.
“Sinceramente, posso dizer que, hoje, o ambiente é tão tóxico e destrutivo como nunca vi”, opina Greg Smith.
Antes havia uma cultura, o “ingrediente secreto”, que permitiu que o Goldman Sachs conquistasse a confiança dos clientes em 143 anos. Actualmente, não há um traço dessa cultura que faça Smith “amar” o trabalho naquela entidade. (...)
Como é que tudo mudou? Muito tem que ver com a alteração da forma de pensar na liderança. Antes, chegava-se a líder com ideias. Agora, tudo está relacionado com dinheiro.
Sempre tive orgulho em aconselhar os meus clientes a fazer o que acreditava ser o melhor para eles, mesmo que isso significasse menos dinheiro para o banco. Esta visão está a tornar-se cada vez menos popular no Goldman Sachs”, escreve Smith, no texto de opinião de hoje.
Nos dias de hoje, há apenas três caminhos para se alcançar a chefia no banco liderado por Lloyd Blankfein (na foto), diz Greg Smith. (...) Persuadir os clientes a comprar as acções ou activos de que o banco “se está a tentar livrar” ou fazer com que os clientes negoceiem aquilo que vai trazer maior lucro para o Goldman são os dois primeiros exemplos. E o terceiro? “Descobrir-se a si próprio num lugar em que o seu trabalho é transaccionar produtos ilíquidos e opacos cujo nome é um acrónimo com três letras”.
O director do banco norte-americano afirma-se assustado quando percebe que os analistas juniores dos derivados têm apenas uma pergunta nas suas mentes: “Quanto dinheiro é que vou conseguir deste cliente?”
Smith escreve, nesta sua carta de demissão pública, que quando começou a carreira “nem sabia onde é que era a casa de banho”. A preocupação era “descobrir o que era um derivado”, “perceber as finanças” e “conhecer os clientes e como motivá-los”.
Foi esse pensamento que se perdeu no Goldman, na opinião de Smith. “Surpreende-me que tão poucos gestores experientes saibam a verdade basilar: se os clientes não confiarem em nós, vão acabar por parar de fazer negócios connosco”, escreve.
(...) “Espero que isto seja um alerta para o conselho de administração. Tornar, novamente, os clientes o ponto fulcral da vossa actividade. Sem clientes, não fazem dinheiro. Na realidade, nem existem”, argumenta o director que publicou a sua demissão no “New York Times”.
Greg Smith espera que a administração perceba que tem de afastar as “pessoas em bancarrota moral”, “não importando quanto dinheiro fazem para a empresa”.
“As pessoas que apenas se preocupam em fazer dinheiro não vão manter a firma – ou a confiança dos clientes – por muito mais tempo”, conclui Greg Smith na sua carta.
Entretanto, o Goldman veio já dizer que o sucesso do banco se deve apenas ao facto de os clientes serem, também eles, bem sucedidos. “Esta verdade fundamental está no coração do modo como seguimos a nossa conduta”, indica uma declaração do banco, citada pela agência Bloomberg."

março 11, 2012

«Desemprego e desigualdade. Capitalismo e Pobreza» (parte 2) - Jaime Ramos

Em Portugal a economia paralela está calculada em mais de 20% do PIB. Esta é uma economia que não paga impostos nem descontos para a segurança social. É uma economia anti-social, que os sucessivos governos têm permitido e incentivado. Criar mecanismos para reduzir este espaço de negócio potencialmente criminoso, não tem sido prioridade dos nossos políticos.Um Governo que mantém os bancos a pagar menos imposto que as outras empresas não é social-democrata, nem justo.
A venda de automóveis de luxo contraria a crise que o país vive. No início de 2010 as vendas da Porsche e Jaguar subiram uma percentagem acima dos 50%. Só no mês de Junho a venda destas marcas subiu 100%, talvez para evitar a subida do IVA, segundo notícia publicada no Jornal de Noticias de 20/07/10.
Segundo as próprias marcas as vendas estão a ter grande sucesso no Norte do País, a região mais martirizada pelo desemprego e pela descida do rendimento bruto por pessoa.
Este aumento nos automóveis de luxo está em sintonia com o que se verifica no sector. De Janeiro a Maio de 2010 venderam-se 107.075 veículos ligeiros (passageiros, comerciais e jipes) o que significou um aumento de 50% relativamente a 2009.
Em plena crise, esta subida de consumo assenta numa base de sustentabilidade que tem origem na economia paralela e em todo o dinheiro que circula fora dos registos contabilísticos.
Estes factos mostram que a sociedade portuguesa está cada vez mais desequilibrada e desigual.
Em Portugal tem crescido o fosso entre os mais ricos e os pobres. Hoje somos o terceiro país mais desigual da União Europeia.
Facto mais grave porque esta desigualdade tem sido agravada por políticos que afirmam defender a igualdade.
Deste 95, há já 15 anos, com excepção do curto período Durão Barroso/Santana Lopes, somos governados pelo Partido Socialista, um partido que afirma promover a igualdade. Esta diferença entre o que se promete e o que se pratica é um dos maiores pecados da nossa democracia e mina a credibilidade da política. Gente que se vende eleitoralmente com o rótulo da igualdade promove a desigualdade e a injustiça em vez da justiça social.
É verdade que, nos últimos anos, se criaram alguns apoios sociais destinados aos mais carenciados, como o rendimento social de inserção e o rendimento solidário para os idosos, mas não se alterou a base do problema, que é a desigualdade instalada e tolerada na nossa sociedade.
É um escândalo que alguns tenham salários e/ou rendimentos perfeitamente escandalosos perante as carências sentidas por cerca de 20% da população, abaixo do limiar de pobreza.
Como é possível que tenhamos reformas muito baixas, insuficientes para uma vida digna, e aceitemos que outros tenham reformas concedidas pelo Estado de valores obscenos? Como é possível que, sem nos indignarmos, aceitemos que alguns tenham várias reformas e subsídios vitalícios, com valores milionários, concedidos pelo Estado, enquanto outros se têm de contentar com valores insuficientes para uma vida digna?
A análise estatística das pensões pagas aos ex-funcionários públicos revela uma grave discrepância entre os valores médios que estes recebem da Caixa Geral de Aposentações e aquilo que é pago pela Segurança Social aos trabalhadores reformados pelo regime geral, que trabalharam no sector privado e sempre descontaram ao longo de toda uma vida de trabalho. Não é tolerável que o Estado mantenha esta injustiça pagando aos ex-funcionários valores muito superiores.
É hoje aceite que a sustentabilidade da Segurança Social está em causa.
Urge que se crie um tecto máximo para as reformas pagas pelo Estado através das suas empresas públicas, Caixa Geral de Aposentações ou pelo regime geral da Segurança Social. Este tecto, a exemplo do que deve acontecer com os salários, deve estar relacionado com o valor da pensão mínima paga pela segurança social. A pensão mínima, a chamada pensão social, deve ser o valor de referência. Nenhuma reforma ou aposentação sustentada pelo estado deve ultrapassar 14 vezes esse valor. Neste caso já estamos a tolerar como aceitável que uma pessoa possa receber num só mês, dos catorze previstos para efeitos salariais, o montante que os outros recebem num ano. Este tecto máximo não impede que qualquer pessoa possa ter descontos para outros sistemas privados.
Um estado humanista não pode assumir que não tem o suficiente para garantir pensões mínimas capazes de evitar situações de pobreza e em simultâneo pagar pensões milionárias.
Como é possível que tenhamos um salário mínimo baixíssimo e se continue a admitir que gestores do Estado tenham salários de milhões de euros?
Como podemos continuar a votar em políticos que mantêm esta situação e são culpados por estas opções? Não basta acusar a classe política, pois somos nós que os elegemos.
É preciso dizer que esta terceira república viola os princípios da igualdade e da fraternidade. Não basta dizer que somos todos iguais. Não basta dizer que se é pela igualdade.
Não é por ser maçom que um indivíduo defende a liberdade a igualdade e a fraternidade. Tem de o mostrar no seu dia-a-dia.
Não é por uma pessoa se dizer católica que pode deixar de respeitar os valores cristãos de amor aos outros. Tem de o mostrar.
Não basta dizer-se social-democrata ou afirmar-se socialista. Tem de actuar em conformidade.
(...) Ninguém é responsável? Vamos todos continuar a tolerar esta hipocrisia?

(continua)

Jaime Ramos
Excerto do livro «Não basta mudar as moscas»

março 10, 2012

«Desemprego e desigualdade. Capitalismo e Pobreza» (parte 1) - Jaime Ramos

Temos [na data em que o livro foi publicado] mais de 730.000 portugueses no desemprego, recorde absoluto na nossa história. Urge criar emprego sustentável, em vez de negócios para as empresas do regime.
O número de desempregados não é ainda mais elevado porque muitos portugueses emigraram nesta última década. De 1998 a 2008, 697.963 portugueses foram para o estrangeiro. Desde 2.000 o número anual da emigração tem vindo a crescer. Em 2007 e 2008 foram mais de cem mil por ano. Os cinco maiores destinos foram, por ordem decrescente, Suíça, Espanha, Alemanha, Angola e Reino Unido.
Se não fosse esta emigração recente teríamos hoje uma taxa de desemprego próxima dos 15% em vez dos 10,6% (Junho/2010).
O envelhecimento da emigração dos anos sessenta e setenta, com o seu retorno a Portugal, tem reduzido o número de emigrantes em números absolutos, com consequente redução das transferências bancárias a favor de Portugal, mas este facto não pode branquear a realidade da emigração voltar a ser uma saída “imposta” a milhares de portugueses.

Portugal é o terceiro país mais desigual da UE de 27 países.

Segundo dados recentes obtidos num estudo da associação TESE com coordenação científica do ISCTE em Portugal, 20,1 % das famílias estão classificadas como pobres, uma vez que ganham menos que 60% do rendimento médio, e 31% são agregados com adultos que ganham por mês entre 379 e 799 euros e estão acima do limiar de pobreza.
Estes agregados são apelidados de famílias-sanduíche. São agregados com incapacidade para fazer face a despesas inesperadas e que têm dificuldade em enfrentar os encargos normais do dia-a-dia.
Mais de 50% dos portugueses vive com imensas dificuldades. Choca ouvir alguns ultras, radicais, a defender que os portugueses ganham demasiado e que a solução para a economia do país exige reduzir os salários.
Em 2009 Portugal tinha 11 mil afortunados, número que cresceu com 600 novos milionários. Estes milionários têm uma fortuna avaliada em mais de um milhão de dólares, indicador internacional. São os HNWI, High Net Worth Individuals , indivíduos com activos líquidos superiores a um milhão de dólares, excluindo a residência principal e bens consumíveis. Falamos de dinheiro limpo. Estes dados foram publicados pelo Diário Económico de 25/6/2010.
Em 2008 eram 10.400 milionários e seu número cresceu 5,5%. Este crescimento aconteceu durante um governo socialista, num ano em que a economia sofreu uma recessão, a crise financeira do Estado se acentuou, o desemprego e a pobreza cresceram, as dificuldades das famílias aumentaram.
Somos um país absurdo, dual. Temos empresas a fechar, muitas a abrir falência e os grandes grupos financeiros aumentam os lucros. Temos empresas pobres e empresários ricos. Crescem as fortunas e o Estado corta nos apoios aos desempregados.
Os milionários portugueses têm uma fortuna conjunta superior a 11 mil milhões de dólares, valor semelhante ao custo total previsto para as obras de TGV, ferrovia de alta velocidade.
A maioria da opinião publicada opta por omitir estes factos e prefere defender a necessidade de medidas de austeridade, que provoquem dor nas classes desfavorecidas, incluindo a média-baixa.
Falar de desigualdade obriga a reflectir sobre alguns números.
Os 166 administradores das empresas do PSI 20 receberam, em 2009, 136,5 milhões de euros ou seja 1/3 do que o Estado gasta com o Rendimento Social de Inserção atribuído a 409.878 beneficiários do rendimento mínimo.
O vencimento do Presidente da EDP foi de 3,1 milhões de euros ou seja igual a 267 trabalhadores a ganhar o salário médio nacional de 894 euros, ou igual a cerca de 467 pessoas com o salário mínimo.
O vencimento dos sete administradores da EDP daria para fazer uma redução de 51,6 euros na factura de electricidade dos 341 mil portugueses que tem o salário mínimo, segundo um estudo recentemente publicado na revista Visão.
Um trabalhador com salário mínimo, depois dos descontos, recebe 422,75 euros por mês, 14 meses no ano. A redução de 51,6 euros corresponderia a um aumento de salário superior a 10%.

(continua)

Jaime Ramos
Excerto do livro «Não basta mudar as moscas»

O círculo perfeito



A crise está sob controlo. Nas personagens: Bancos, País.
Este cartoon valeu a Collignon o grande prémio Press Cartoon Europe 2012.

Jos Collignon - PressEurop

março 09, 2012

A posta nos amanheceres simulados que cantam


Um consumidor visivelmente encantado com o seu amanhecer simulado


Se eu fosse um empresário do ramo das inutilidades-ainda-mais-disparatadas-em-tempo-de-crise gostava de poder anunciar ao meu departamento de vendas, ainda antes de limparem por completo as ramelas às horas da madrugada a que as pessoas são forçadas a trabalhar: hoje vamos vender resmas de despertadores Oregon Scientific com Simulador de Amanhecer!
Vamos por momentos ignorar o requinte de crueldade de alguém ser capaz de propor a pessoas quase acabadas de acordar a venda do seu mais recente instrumento de tortura, pois esta posta, apesar de gratuita, é um veículo publicitário indirecto e por isso temos que respeitar as regras elementares de funcionamento do mercado.

O que me move, para além da secreta esperança de um dia algum empresário montes de bem sucedido na venda de, sei lá, campainhas de porta com simulador de aurora boreal me oferecer uma pequena fortuna por uma referência ao seu produto tão inédito quanto difícil de impingir poucos minutos depois de ultrapassado pelo consumidor incauto o torpor dos primeiros minutos de cada dia, é em boa medida o sono.
Sim, recebi a sedutora proposta para a compra de um sensacional despertator Oregon Scientific ainda sob o efeito do ódio ao equipamento homólogo actual e à sua ingrata missão.

Ainda assim deixei-me seduzir pelo barulho das luzes da simulação de alvoradas e prestei alguma atenção à dita maravilha tecnológica, nem que fosse para perceber em que consiste a coisa.
Agora já pode acordar ao som dos pássaros mesmo que more numa grande cidade! – É assim, com esta entusiasmada proclamação dos amanhãs de manhãs que cantam, que a Loja21 nos agarra para a leitura dos inúmeros predicados do seu produto do dia.
Fico então a saber que a luz mágica desta maravilha com que o progresso promete acordar-nos estimula a produção de cortisol, uma hormona que a empresa diz ajudar a preparar o organismo humano para o novo dia depois do período de sono.
Claro que começo por identificar um distúrbio hormonal neste organismo humano cuja reacção a um despertador comum é similar à de um espancamento (o meu despertador partilha essa sensação desconfortável) e sinceramente nunca senti que existisse algures em mim uma espécie de mão hormonal estendida para me ajudar nesses momentos terríveis.

Prosseguindo na apreciação dos inúmeros argumentos para a aquisição imediata de um Oregon Scientific (com simulador de amanhecer, não sei se já referi) fico a saber que este multi-funções serve de lâmpada de mesa de cabeceira e assim não corro o risco de partir o candeeiro ao tentar desligar o despertador! Ou seja, um enorme estímulo à poupança que, como veremos adiante, é bastante conveniente promover em paralelo com o simulador de amanhecer.
Porém, quanto mais avanço no explanar de atributos menos tentado me sinto a aproveitar o preço especial de corrida que só hoje posso pagar.
Por exemplo, quando na tentativa de suavizar a pesada carga pejorativa associada a um dispositivo para acordar a pessoa (algo tão infrutífero como forrar com estofos de veludo o interior de um caixão para o tornar mais acolhedor) me referem que basta um suave movimento da mão diante do mostrador para desactivar a repetição do alarme (que pode ser o cantar dos passarinhos como a voz estridente da Júlia Pinheiro num anúncio em FM) o caldo do meu impulso de compra entorna.
Só quem nunca precisou de acordar antes das 11 da madrugada percebe onde reside o problema deste pormenor aparentemente tão inócuo: um suave movimento da mão e o simulador de amanhecer anoitece? Até podia disparar a luminosidade do sol em Mercúrio que os meus suaves mas sucessivos movimentos manuais acautelavam um não menos suave regresso ao simulador de ressonar até o próprio equipamento desistir da ideia, simular que vai ao WC e deixar-me da mão para não levar uma berlaitada na gaiola onde guarda os tais pássaros com pendor urbano e que cantam com pronúncia de Taiwan.

Mas só caio em mim depois de perceber o quanto acreditam os seus promotores nos tais orégãos científicos com a prudente nota final que nos avisa que o equipamento é mesmo fabuloso e acordamos com enorme vigor e mainãoseioquê mas não compensa nem substitui o número de horas necessárias a um descanso adequado.
Quer isto dizer que o simulador de amanhecer não dá abébias ao cliente que veja ali uma janela de oportunidade para poder regressar da 24 à hora em que o amanhecer não é simulado e isso retira algum brilho à retro-iluminação proporcionada pela lâmpada de halogéneo de 42 W.

O que a apaga mesmo é um tipo deparar-se, no meio do rol de características do despertador xpto, com uns tais de botões reto iluminados em âmbar: quando olhamos melhor para o preço promocional, só hoje, de €114,90 e nos lembramos de que estamos a falar de um despertador (aquelas cenas medonhas para acordarem um gajo demasiado cedo, estão a ver?) dá-nos vontade de enfiar aquilo Deus sabe onde e a quem e então ilumina-se o dia com um sorriso porque percebemos na hora a utilidade específica dos mesmos.

Como apanhar um criminoso | 'Kony 2012'

Não estou a falar de um escroquezito qualquer, mas de um homem que, no Uganda, há 26 anos rapta crianças de suas casas, levando-as para a selva e forçando-as a fazer parte de um exército que aterroriza populações, sem qualquer fundamento ideológico, apenas a manutenção do poder de Joseph Kony, o homem a agarrar.
Jason Russell percebeu que uma super-potência como os EUA jamais interviriam numa acção como esta, não apenas porque não está em risco soberania nacional alguma e não há interesses económicos subjacentes mas também, e sobretudo, porque ninguém sabe o que se passa com o meninos invisíveis do Uganda e muito menos quem é Kony.
A solução encontrada passa justamente por tornar Kony famoso. Muito famoso. Tão famoso como Jesus Cristo (ou os Beatles, diria Lennon). Para que todos saibam as atrocidades que comete. Para que não haja quem não queira vê-lo ser julgado num tribunal internacional.
Mas Russell explica-o bem melhor do que eu, neste filme (são quase 30min, mas valem cada segundo):




Obrigada ao C.A., que me fez chegar uma realidade que também eu desconhecia.
Espalhe-se a notícia!


março 08, 2012

Saúde do SNS – coma tóxico?

Tenho muito cá para mim que, em Portugal, o sistema geral de prestação de cuidados de saúde, desde que o dinheiro directo do paciente não se imiscua, vive algures entre o activo tóxico e o síndrome comatoso…
Vem isto a propósito de (mais) um episódio recente que envolve um familiar muito próximo e que não resisto a divulgar, para memória futura ou para algum ouvido atento, tentando eu ser muito breve e sintético.
Então, é assim: este meu familiar, bem passado dos sessenta, morador na região da chamada Grande Lisboa, padece de hérnia inguinal, não grave, nem urgente, mas recomendada para cirurgia, a curto prazo.
Pelo caminho, o Médico Assistente, no SNS, informa-o que, já que se apresta a levar a facadita, o melhor seria torná-la extensiva a uma próstata que começa a fazer-se sentir e, aproveitando a operação e a proximidade dos males, fazer o que pode chamar-se de dois em um, com plena propriedade.
Enfim, a próstata não seria urgente… mas, já agora, que se anda por ali, já com a incisão feita e tal…
Plena concordância do meu familiar e vamos a isto!
Espera que não espera, passam dias, passam meses, passam anos, até que é convocado para uma entidade privada para se realizar a operação patrocinada pelo SNS… à próstata, que a hérnia, não, ali não estavam equipados para a fazerem.
Vai, então, o meu familiar ser operado a uma próstata que não era premente, por causa uma hérnia, que afinal ainda não vai poder tratar. Como é delicada a saúde em Portugal!
Lá é operado, espera mais uns mesitos e, certo dia, em viagem pelo País, recebe um telefonema a dizer-lhe que, se quiser (?) ser operado à hérnia, terá de comparecer nesse mesmo dia em determinada unidade de saúde de Lisboa. O que não era exequível, como ele teve oportunidade de fazer notar ao interlocutor. E lá ficou mais uns meses largos à espera.
Passados que são já dois anitos da operação à próstata, da qual nem precisava muito e continuando a habitar em Lisboa, enviam-lhe agora uma carta para ser internado e operado à hérnia… em Cantanhede, a quase 300 km de casa!!!
Ora, eu sei que há zonas sazonais para coisas como a lampreia, a perdiz, o IRS, etc.; julgo saber, também, que Cantanhede é afamada pelo seu vinho e pelo leitão, agora o que eu não sabia era destas potencialidades particulares de Cantanhede para as hérnias.
Ah, se for preciso, até pagam as deslocações ou arranjam transporte… Claro, pagamos todos, por isso nem se nota.
Se isto não envolvesse algum dramatismo seria risível. Mas como não é trágico, é apenas estúpido.
O que teremos nós TODOS andado a fazer a Portugal para convivermos tão assiduamente com este tipo de idiotices institucionais e perdulárias?

(Continua a haver uma coisa que muito me perturba: como é que um gajo não há-de dizer mal «disto»?)

março 06, 2012

A posta que o que faz falta é acordar a malta


Desabafava tempos atrás o Primeiro-Ministro no exílio, José Sócrates, que não há coisa pior para um político do que uma crise. Concordo.
Deve ser terrível para quem não tem ovos sequer para uma omoleta de promessas e se vê obrigado a substituir o sorriso polaroid por uma carranca mais consentânea com o figurino geral.
Isso preocupa-me enquanto cidadão dependente de uma política mais sorridente, claro.
Porém, embora admita essa ligeira consternação pelo drama humano de um político sem coelhos na cartola ou, no caso concreto, mesmo já sem cartola, tenho que puxar a brasa à minha sardinha de pelintra e aproveitar a engenharia do raciocínio acima:
Não há pior para um gajo teso do que a falta de dinheiro.

Isto dito assim parece bem menos profundo do que é. Mas mesmo as ideias de quem não completou a licenciatura mas assume isso com toda a frontalidade podem ter baixios.
O problema não é menor, se tivermos em conta as proporções entre a aflição do político obrigado a gerir uma crise e a de um gajo teso intimado a resolvê-la.
De resto essa diferença passa pela descontracção com que o actual PM assume a sua determinação em gozar as férias no Algarve como de costume, enquanto para a maioria dos tesos isso das férias é apenas mais um período no qual se torna demasiado óbvia a falta de liquidez.

Mas dizia eu que a falta de dinheiro atrapalha imenso o gajo teso. Isto acontece porque o sistema está pensado no sentido de punir quem se atrasa a cumprir, numa lógica perversa porque desenhada para enterrar ainda mais quem já nada em problemas. Ou seja, a pessoa tem falta de dinheiro e isso implica penalizações pecuniárias que a agravam.
É fácil de perceber como a coisa funciona numa dinâmica trituradora de efeito dominó que só abranda quando o gajo teso já nem mexe porque nada sobra para lhe confiscar, numa bola de neve que se torna imparável depois de somadas todas as alcavalas.
Este ciclo vicioso acaba por ilustrar aquele que os governantes sentem na pele de terceiros quando se vêem a braços com uma crise não propriamente sua, com as perdas e penalizações e juros a não permitirem a saída do vermelho porque, lá está, a lógica do sistema não engloba a abébia para os prevaricadores: se tem pouco e não chega, para castigo fica sem nada. Ou ainda pior, fica com menos qualquer coisa do que nada porque as dívidas são para honrar mesmo quando já não existam meios para o efeito e empréstimos são para quem deles não precise porque até consegue pagar a respectiva prestação.

Nestes becos com saída garantida do sistema a falta de dinheiro é mesmo do pior porque a quem menos tem é a quem a coisa mais faz doer, implacável na sua purga dos que não merecem pertencer ao mundo dos que valem apenas porque têm e os restantes constituem-se embaraços, maus exemplos como grãos numa engrenagem pensada para a prosperidade globalizada e incapaz de processar a situação inversa.
E enquanto aos políticos apanhados por uma crise é atribuído um rótulo de incapazes que os afasta do centro do poder político mas os aproxima do poder financeiro ávido de retribuir uma simpatia para encorajar outras, aos gajos tesos apanhados no mesmo contexto é exibido o chicote do flagelo social associado ao estatuto de caloteiro para os manter à distância de qualquer poder que não aquele que lhes permite votar nos que depois retribuirão o gesto, nunca se abstendo, uma vez esmifrados até ao tutano, de os votarem ao maior ostracismo que a democracia permita e a sociedade seja capaz de tolerar.

As coisas e as pessoas | entre o gosto e a qualidade

Quando eu digo que não gosto de algo, seja em termos estéticos ou afectivos, não lhe estou a tirar o mérito ou a qualidade. Recordo-me de que, um destes dias, escrevi para aqui um post sobre pequenos odiozinhos em termos de moda e fui muitíssimo mal interpretada, uns dias depois, mesmo por pessoas que me conhecem melhor do que a maioria dos que por aqui passam.
Quero com isto dizer que o facto de eu não gostar de uma tendência de moda não obriga a que eu ache piroso quem a segue; também não acuso de pensar mal quem tem opiniões diametralmente opostas às minhas (a não ser que lhes chegue por vias travessas e, nesse caso, pensará tão mal como aquele que partilha da minha opinião mas não faz puto de ideia porquê); nem acho que os The Gift, os U2, os Amor Electro ou Madredeus sejam maus, pese embora eu mude de estação sempre que os senhores passam no rádio.
Ou seja, não entendo o meu gosto (que considero, evidentemente, bom; de outro modo, não era o meu) como sendo a pedra de toque da qualidade (e admira-me quem acha que há correlação directa entre esta e aquele), creio que o contrário seria de uma arrogância de que nem eu sou capaz, lamento.

Do mesmo modo, arrisco afirmar que não é o facto de eu não poder ver determinado ser humano à frente que faz dele mau bicho. Nem vice-versa.
Mais: acontece-me gostar de certos seres humanos mas não poder estar muito tempo perto deles, porque sei que, a fazê-lo, passarei a gostá-los menos (provavelmente, reflexo do que disse aqui) e não me apetecia mesmo nada que isso acontecesse.
Na mesma medida, sei que posso gostar de grandes sacanas, quando os laços afectivos da amizade (por vezes tão absolutos) me levam a irrelevar o irrelevável, porque vem de quem vem.
E, o que não é de somenos, perdoem-me os politicamente correctos, mas não é a circunstância de alguém ser bonzinho ou querido ou (parecia) tão simpático aos olhos dos outros que me leva a gostar de si, ainda que não me sinta igualmente obrigada a justificar as causas do meu não gostar, que só me interessam a mim e, no limite, ao não-gostado. Não discuto a qualidade do seu ser, perceba-se. Só não me interessa essa qualidade (ou a ausência dela, também ocorre) a pairar por perto.

Era isto, só para que ficasse claro, ainda que (hoje) ninguém me tenha perguntado nada.