agosto 21, 2011

(Ainda) um postal de férias

Férias ou são férias ou não são férias.

Colocada esta prévia, elementar e lapalissiana questão, aqui ficam as minhas vénias por todas as profundas asserções que os distintos colegas persuactivos têm vindo a publicar e as quais, por óbvio desvio para ponderosas questões balneares, não tenho comentado, ainda que as vá seguindo com o interesse habitual. Que não tem sido defraudado, diga-se.

Chegado, entretanto, o meu tempo de voltar às lides, começo – devagar, devagarinho… – com um breve postal de férias, quase intimista, ainda, para evitar emoções demasiado violentas no «arranque».

Como será sabido por alguns, fui-me até ao Algarve, a banhos de sol e salsas ondas para um velho lugarejo piscatório, ali entalado a caminho de Sagres…

Piscatório que já foi, pois agora a coisa resume-se a uma escassíssima mão-cheia de muito velhos pescadores, teimosos e empedernidos, que encontram um sentido para a Vida nessa diária busca de sustento, em barquitos de escassos dois metros, alguns ainda movidos a força de remos.

Assistindo, em certa madrugada, à sua chegada a terra, vindos da faina nocturna, ainda com mar em estertores de levante, e no meio dos ingentes trabalhos necessários para acostar e deixar em porto seguro os frágeis botes, fiquei no meio da dúvida se aqueles sexagenários, septuagenários e octogenários assumiam a dimensão da poesia ou padeciam de alguma enfermidade mental ainda não catalogada.

Mais quando me foi dado perceber o produto individual da pesca de cada botezito – meio balde de lulas ou de chocos, duas ou três sardas, um polvo de meio palmo e algum sarguito distraído ­– aí quedei-me estarrecido.

Pois, que a pesca vai má… Ele é o arrasto a dar cabo dos fundos e o tempo que anda mudado, eu sei cá…

E em fim de sacrifício, perante a minha disposição de lhes comprar, ainda assim, algum peixito fresco, para consumo doméstico e corresponder, de pobre modo, ao que me pareceu tão incomensurável esforço, dizem-me, entre desconfiados e timoratos, que o pescado apenas pode ser por eles comercializado na lota de Lagos, distante cerca de quinze quilómetros, conforme recente legislação em vigor.

O quê? Esses três chocos, duas lulas, três sardas e um sargo? Pois, isso mesmo! A quinze quilómetros daqui…? E isso compensa? – pergunto eu do alto da minha supina burrice urbana. Fiquei, claro está, sem resposta e sem peixe.  

Ou seja… Não, não vos conto mais nada, pois todos já entenderam tudo.

E quem não tenha entendido deverá ser da seita do iluminado que congeminou tal legislação.

Voltem-se para o mar, diz-nos o mais alto magistrado da nação, por acaso também algarvio, mas pouco embarcadiço… Mas deve ser só para lhe fazer um manguito. Ao mar, entenda-se.   

6 comentários:

  1. Os contos de pescaria são bem vindos, distraem-nos. Um abraço, Yayá.

    ResponderEliminar
  2. Este comentário foi removido pelo autor.

    ResponderEliminar
  3. Em primeiro lugar, um cumprimento com o devido comprimento a Artes e Escritas: Olá!!!!
    Depois um abraço imenso ao amigo Orca, que se fosse secundado por um fraternal beijo, ficaria eu, seu admirador, de beiços encharcados de sal eheheh :D
    Claro que é um post lindo de Verão, com V maiúsculo pois claro que eu não vou à bola com a maior parte das tontarias pseudo-ortográficas.
    Quanto ao cherne da questão, uma vez que se fala de peixe, creio que o pescador terá desconfiado muito sinceramente de que tu meu Orca, poderias quiçá ser .... um fiscal.
    O velho sentimento de desconfiança que nos assolava quando alguém nos pedia lume de que poderíamos estar perante um fiscal dos isqueiros, está bem de volta.
    Talvez devesses ter feito como eu fiz há tempos na mesma circunstância e perante a mesma resposta.
    Doei ao homem um valor em dinheiro que por mero acaso era o que ele pensava valer o peixe e depois ele atirou-o ao mar dentro dum saco de rede que eu ....fui pescar pegando na rede de regresso à terra.
    E pronto, fui eu que o apanhei e ningué tem nada a ver com isse néi?, mac jêtes..

    ResponderEliminar
  4. Bonito postal, apesar da pobreza - de todas as pobrezas - que encerra.

    (aqui nas aldeias à volta da Ericeira os pescadores vendem o seu peixe à descarada...)

    ResponderEliminar
  5. ah, poisé!
    somos muito europeus, tão bons que em tempos eramos o "bom aluno da Europa" e acabamos com a pesca, a agricultura, industria...

    mas enfim, alguém ganhou, que não "teus" pescadores...


    abraço

    ResponderEliminar
  6. No seu último álbum, «Galinhas do Mato», José Afonso já não pôde cantar a sua Década de Salomé:

    "(...) Saem quarenta mil ovos moles
    Vilar Formoso
    é logo ali
    faz-se um enxerto
    com mijo de gato
    Sola de sapato
    voilá Paris!
    (...)
    Estamos na Europa
    radarizada
    já cá faltava
    uma turquês
    para o controle
    do bravo e do manso
    vivaço e do tanso
    em cada mês!
    (...)"

    ResponderEliminar