março 11, 2011

Comentário à opinião, muito legítima, mas algo desiludida, do Shark sobre a manifestação do dia 12…

 Antes de mais e do alto dos meus 59 anos, amanhã também estarei na manifestação. Não sei em qual, nem sei ao serviço de quê, mas NÓS todos deixamos chegar isto a tal ponto, que alguma responsabilidade devemos, colectivamente, assumir. Nem que seja a do protesto e a desse outro conceito tão marginalizado quanto esquecido que se chama solidariedade.

E também por duas razões, outras, relevantes: nem gosto de tomar a árvore pela floresta, nem gosto que a floresta esconda a bela individualidade de cada árvore que a enforma. Digo isto, obviamente, como esclarecimento quanto à minha abordagem às motivações dos organizadores do protesto.

Nem será porque uma tal manifestação alberga dois ou dois mil totós que os motivos passam a ser menos nobres.

Tenho, entretanto, o privilégio de privar de perto com muitos e muitos jovens que não são enquadráveis na moldura definida pelo Shark. E que estão mais do que motivados para protestar contra o verdadeiro estado de sítio para onde nos conduziram os sucessivos governos do centrão - afinal, os únicos destinatários do protesto. E para que não fiquem dúvidas, estou a falar do PSD e do PS – enquanto partidos no poder -, que partilham o(s) poder(es) entre si há dezenas de anos, e todos os seus apaniguados das franjas da manjedoura estatal, mais ou menos «independentes», analistas do convénio, economistas dos interesses, engenheiros das malfeitorias, etc., etc.   

Quanto à má-formação inquestionável de tantos e tantos jovens - onde reconheço muita razão à argumentação do Shark - a questão é esta: quem é que os mal-formou? Os pais, os parentes próximos, os professores, os padres, a sociedade que vimos construindo e onde eles se inserem? Quem é que lhes compra as consolas e os jogos? Quem é que permite que, na mesa do restaurante, o pimpolho matraqueie nessa consola, enquanto os pais olham para o infinito? Quem é que se demitiu e demite do seu mais que nobre magistério de influência paternal? Quem é que lhes põe os carros nas mãos (estou a falar dos filhos das classes médias e altas, claro, que os outros ou andam a pé ou vão roubá-los)? Quem é que lhes fornece o guito para os shots e outras minudências estimulantes? Quem é que permite o descalabro no sistema do ensino público, que parece institucionalmente apostado em só formar idiotas desde a mais tenra idade, se os paizinhos não tiverem dinheiro e discernimento bastante para lhes facultarem «instrumentos paralelos» para a vida, instrumentos, uma vez mais, dos que se pagam com duro metal sonante? Quem é que cria, como paradigma de cidadania, o ambiente imbecilizante dos Morangos com Açúcar do nosso descontentamento?

É que (e muito longe da teoria do «bom selvagem», entenda-se) quando um puto cá chega – e, desde logo, devia chegar por um acto responsável e consciente de quem mandou a respectiva queca, o que muito raramente ocorre – o mundo está feito e (mal) pronto para o receber. E ele vai fazer-se a ele, completamente dependente das circunstâncias que o envolvem.

Então, chegado o tempo de juntarem dois e dois e não atingirem resultado nenhum, se acham que devem protestar, pois que protestem. Porque são, também, muitos os jovens que dão o corpo no Egipto, que o dão na Líbia, que o deram no Kosovo, na Sérvia, como já o tinham dado no Vietnam. Antigamente, chamávamos-lhe o idealismo e a generosidade da juventude… e sentíamos orgulho por isso. Teremos o direito, hoje, de até isso lhes negar?

Se, desgraçadamente, os jovens portugueses não se revêem nos partidos e demais instituições existentes que poderiam enquadrar este protesto com outro élan organizativo e «perspectivação política»... a culpa também será deles? E a alternativa, enquanto não formarem o(s) novo(s) partido(s) – como se tal fosse elementarmente exequível –,  é calarem-se e continuarem, precariamente, a recibo verde?

Por estas e por muitas outras, caro Shark, atenção, que precisamos de ir com calma...

Também conheço muitas abécolas, amorfas ou alienadas, como aquelas que referes. Mas sempre as conheci, desde que a mim me conheço, desde aqueles para os quais a sua política era o trabalho ou o futebol, até aos que andavam sempre de carteira recheada pela bem-aventurança de paizinhos bem instalados.

E, já agora, tenho um filho, com licenciatura concluída mas já atropelada por Bolonha – outra cagada «economicista» sem nome – que já passou por meia-dúzia de ocupações qualitativamente relevantes, ao longo de meia dúzia de anos, até como professor universitário (!!!), que para tanto lhe chegam formação e saberes, e que desde os seus 20 anos faz questão de tentar viver com independência não subsidiada e sem cunhas... e só lhe aparecem ou maus pagadores (as excepções são raras) ou esquemas a seis meses, mal pagos, mas tudo com muitas palmadas nas costas e louvores à excelência.

A propósito, por uma prestação de serviço de cerca de seis meses, numa autarquia, a «recibo verde», teve de pagar ao estado mais do que aquilo que recebeu! E não é conversa da treta, que eu posso testemunhá-lo. É neste estado-vampiro (ou sanguessuga, para o caso…) que os «putos» não se querem rever. E eu também não.    

Se me aparecer por aí algum andróide que me prove que se pode assim construir um futuro diverso do dos sem-abrigo, eu agradeço a informação. Ele ainda tem esperança de que o mundo que ajudei a construir cumpra regras. Eu já não sei se verei esse amanhã cantante…  

E, não obstante, nunca foi criada e produzida tanta riqueza no mundo!

Como ele, uma imensidão, que lamentavelmente apenas vê futuro na emigração. Se o que devemos advogar é essa sangria de tantos dos melhores – cuja formação, aliás, também pagámos com os nossos impostos –, enquanto nação, enquanto povo, enquanto cidadãos, então estamos conversados e Portugal está bem entregue nas mãos dos socretinos a que temos direito e em quem cordeiramente votamos.

Ou, se calhar, afinal Portugal não tem relevância e ser português ainda menos e venham de lá os chineses, ou os indianos, como ontem vieram os americanos e, antes deles, os franceses, enquanto culturas dominantes, a bem do «progresso do mundo». Desse «progresso» a que assistimos nos diários e amarfanhantes conflitos de interesses, sob a égide dos sacrossantos e inatacáveis «mercados».

Não, Shark amigo, eu compreendo muito do que dizes desse grupo de jovens que caracterizas, mas eles não são todos. E amanhã também vou manifestar-me com eles. Contra... qualquer coisa, a bem do meu descontentamento. Não foi para isso que houve Abril! E nesse Abril, estes de que falamos, uns e outros, nem eram ainda nascidos. Pelo que, daí para cá, o que há e por muito que nos custe é de nossa exclusiva responsabilidade.

No meio disto tudo, quer os Deolinda quer os Homens da Luta são efeitos perfeitamente colaterais, como o foi a Tourada de outros tempos, ou a Grândola Vila Morena ou o E Depois do Adeus. E espúria será, até, a comparação. Mas está muito na natureza humana localizar ícones ou pontos de referência para cada um não se perder ainda mais da tribo...

Não se entenda, entretanto, todo este arrazoado como uma polémica estéril ou picardia de somenos. Trata-se apenas, digamo-lo assim, de uma declaração de voto, enquanto direito que nos assiste.   

8 comentários:

  1. Ó Shark, aqui já não tens falta de espaço. Espalha-te, camarada, pá!

    ResponderEliminar
  2. (Aquilo foi só para lhe dar um empurrãozinho a ver se ele avançava com a ideia, seria uma pena deixar aquilo na caixa...)

    Bom, meu douto parceiro, começo por contestar esse bode expiatório fraquinho que são os pais. Os pais, Orca? Tu que és pai, mesmo tendo a sorte de te tocar um puto à maneira, sabes que é uma lotaria. Por outro lado, desculpabilizar as aventesmas com base nas asneiras bem intencionadas ou por mera inépcia dos progenitores equivale a passar atestados de incompetência a uns e cartas brancas para a estupidez aos outros seus herdeiros.
    E agora faço uma pausa para ir servir uma aguardente velha para o bochecho.
    Volto já.

    ResponderEliminar
  3. É claro que o meio envolvente pode determinar/condicionar a evolução de um indivíduo mas se lhes damos acesso a mais informação do que em algum momento da História da Humanidade esteve ao dispor dos plebeus isso permite aos melhores moldarem as suas convicções e, por tabela, abraçarem a democracia participativa como opção.
    Deveriam até ser capazes de formarem uma alternativa séria (porra, eleitorado potencial não lhes falta), para poderem criar as condições para as tais manifes bem organizadas e com soluções e não apenas queixinhas.
    E não aceito de forma alguma o paralelo com as causas pelas quais tiveram que se bater os que citas. O país é democrático e qualquer cidadão pode (deve) ser capaz de berrar com base em ideais bem concretos e não em queixinhas que se somam às dos restantes e não justificam (até pelas benesses que lhes apontas por via dos pais que criticas) especial relevância em relação à dos reformados ou mesmo à dos trabalhadores que se vêem, esses sim, à rasca para honrarem compromissos já assumidos.
    E é a palavra compromisso a chave do meu raciocínio.
    É baril participar numa manife, bem o sabemos. Mas a coisa nasce e morre ali se não há planos sérios para o futuro da coisa. E esses, não há volta a dar, fazem-se antes da gritaria e não depois de se ver no que dá, depois de contar espingardas.
    É uma cobardia política e um comodismo intelectual, convirás.

    ResponderEliminar
  4. Claro que reconheço o perigo das generalizações, mas eles mesmos ao aceitarem rótulos e ao elevarem os mesmos à condição de punch line abraçam a generalização que até lhes convém (para parecerem uma organização com um fio condutor e apelarem à força da multidão).
    São a geração à rasca e qualquer de nós sabe que à rasca, insisto, estão aqueles que para além de lhes sustentarem os vícios ainda têm que honrar compromissos e, lá está, fazerem funcionar os mecanismos da democracia que entre outros privilégios que, por exemplo, os jovens líbios não possuem, lhes garante o direito à livre manifestação das suas dores.
    E esse não contesto, de todo. Pelo contrário, é o meu apreço (e o meu currículo) nessa matéria que mais motiva o tom da posta que serve de base para esta prazenteira troca de impressões.
    A luta popular merece o respeito de ser levada a sério, não pode ser confiada ao livre arbítrio das conjunturas e dos impulsos agregadores. Merece, por exemplo, aquilo que as revoltas no Egipto ou na Tunísia possuíam: causas sérias.
    E agora vamos lá à seriedade deste pseudo-movimento deolinda:
    dificuldades? recibos verdes? As gerações anteriores à deles conheceram o trabalho sem direito a férias, a necessidade de alugarem casas a meias com hóspedes para as poderem pagar e uma data de coisas que conhecerás tão bem como eu, porra...
    Fizeram o quê? Um 25 de Abril, que por muitas pedras que lhe mandem aos telhados de vidro que as múltiplas seitas e associações lhe criaram nestas décadas ainda hoje lhes oferece de bandeja uma democracia que não sabem (nem querem - o discurso abstencionista e a alergia à política partidária predominam) cultivar e defender.
    Preferem dar nas vistas, aproveitarem a embalagem do que vêem na tv para reclamarem uma voz que ninguém lhes nega no sistema em vigor. Têm é que vergar a mola, investirem tempo e carola para fazerem aquilo que vão para a rua exigir a terceiros.
    E isso é uma seca, não prestigia a pessoa como encher a boca a dizer "eu estive lá".
    Mesmo que esse "lá" não passe de uma birra, por muito que alguns deles vejam o futuro negro neste presente cinzento.
    Mudem o mundo, mas com maneiras. Com inteligência, com persistência, com ideias alternativas que em não existindo fazem com que os protestos de rua apenas sirvam para apelar ao vazio.
    E se para os líbios e os egípcios isso não é ir para pior, na nossa democracia ocidental antes pelo contrário.

    ResponderEliminar
  5. E acho que já te dei material suficiente para, se estiveres para aí virado, prosseguirmos o debate em que parecendo antagonistas cheira-me que, grosso modo, até andamos mais ou menos no mesmo lado da barricada...
    :)

    ResponderEliminar
  6. Shark... que tal fazeres disto um post?

    :O)

    Agora eu: ontem ao jantar estive à conversa com as minhas filhas (2 X 21 anos). E disse-lhes (não foi a primeira vez) que receio que a forma como elas "levam a vida" lhes iria causar problemas no futuro, caso não ajustassem a forma de ser delas.
    Repeti-lhes pela enésima vez que, com muita pena, se eu tivesse que empregar alguém e elas fossem candidatas, não as escolheria porque as empresas precisam de pessoas que sejam responsáveis e assumam compromissos, em quem se possa confiar. E não vejo isso nelas.
    Estarei a ser injusto com elas... exagerado... e certamente que elas nem sequer se comparam aos meus colegas de faculdade, há 30 anos atrás, que me pediam os apontamentos das aulas para fotocopiar, porque se baldavam às aulas depois de noitadas na borga...

    Eu vou assistir à manifestação em Coimbra. Isto é, participo para tentar perceber o que pode sair dali. O manifesto original do núcleo que organiza, parece-me bem. Os grupos que se tentam colar à ideia (um, por exemplo, exige a demissão de todos os políticos) são os oportunistas de sempre e podem estragar irremediavelmente o que me parece uma excelente ideia: mostrar aos políticos e ao resto da população o desagrado por tanta merda que se anda por aí a fazer, às nossas custas e a gozarem com a nossa cara!

    ResponderEliminar
  7. Ora cá esta´mais uma bela manifestação de intolerância com os que não toleram certas regras...;)
    ~Bem explanado,camarada Paulo.
    A São é que havia de ouvir destas, que ela também é uma baldas.
    O estado em que ela tem as cortinas....xi... :S

    ResponderEliminar
  8. Não te limpes sempre a elas, no fim, que eu não ganho para a lavandaria!

    ResponderEliminar