dezembro 31, 2011

A posta que vai chover


Terá existido com toda a certeza uma boa razão, um fundamento qualquer, para um dia alguém, um grupo, ter decidido que valia a pena chamar seu um pedaço de chão. Até aí a terra era de todos por igual, na teoria que a prática aparentemente trauliteira e sem dúvida territorial dos primeiros bandos nómadas em qualquer sítio onde parassem por algum tempo desmentiu.
Era de todos sim, mas espartilhada em função da respectiva ocupação por parte dos colectivos então dispersos para quem a partilha de recursos poderia equivaler à hipoteca de uma sobrevivência já de si precária.

Mas um dia lá apareceu quem gostou imenso da vista num sítio qualquer e achou que aquilo era bom demais para repartir à balda com os de fora, os estranhos em que passariam a tornar-se todos quantos não pertenciam ao grupo ali sediado. O conceito de estrangeiro nasceu aí, tal como teve embrião o de país ao qual nessa altura só faltavam fronteiras desenhadas à porrada, na versão igualmente trauliteira mas alegadamente mais civilizada da demarcação de territórios original.
No fundo a ideia era a mesma, definir com clareza quais os membros de um clã instalado em determinado espaço e distingui-los dos outros, os tais de fora, que se haviam instalado noutro sítio qualquer há tanto tempo que até já falavam entre si com linguagens incompreensíveis e exibiam costumes e objectivos diferentes de toda a vizinhança que entretanto decidira imitar o tal primeiro exemplo de um espaço de alguém, de um grupo, que pusera fim à liberdade de circulação tal como os nossos antepassados com maiores afinidades com os símios a experimentaram.

A coisa refinou com o tempo, sobretudo para se adaptar ao crescimento populacional que a vida mais pacata, sedentária, acarretou. Para evitarem escaramuças e confusões até tentaram firmar acordos que permitissem dividir os territórios com os respectivos limites bem definidos para ninguém reclamar como seu um pedaço fronteiriço qualquer, mas a História não esconde que essa solução nunca se revelou consensual.
As nações foram sendo moldadas pelas alianças de conveniência, pelos oportunismos de circunstância e acima de tudo pela força dos que mais a tinham para impor a vontade dos homens afirmando-a de Deus.
Mas a malta, os que não tinham alternativa, lá ia ficando e aos poucos se iam habituando a falar igual aos vizinhos e a cantar as mesmas músicas e a contar as mesmas histórias da vida que acontecia dentro de um espaço a que chamavam seu porque fazia parte de uma enorme propriedade colectiva chamada país.

Muito tempo depois da criação do primeiro aglomerado populacional com território reclamado como seu e pouco tempo decorrido sobre a perda de milhões de vidas à conta da cobiça expansionista, a galinha do vizinho, alguém percebeu que a melhor forma de acabar com essas cotoveladas, com esses chega para lá que o desenvolvimento da tecnologia militar ameaçava transformar num armagedão, seria unir os vários grupos distintos de um mesmo continente em torno de uma lucrativa e muito fraterna união das que se fazem à força dos milhões.

O problema é que esses visionários concentraram-se imenso na parte do lucrativa e ignoraram o risco de a coisa dar para o torto e tornar-se quase impossível de sustentar a parte do fraternal.
As mesmas populações reconhecidas pela paz e pela prosperidade que a ligação mais próxima com gente estrangeira parecia garantir viraram o bico ao prego quando começou a faltar o pilim e de um dia para o outro começaram a erguer-se os estandartes do salve-se quem puder e, como é tradição, os mais fortes e endinheirados olharam primeiro para os seus umbigos quando passou a estar em causa a salvação, assim o acreditam, de apenas alguns.

E se as fronteiras do passado começaram a redesenhar-se com enorme definição, pelo menos nas prioridades dos mais poderosos, as perspectivas para o futuro europeu ameaçam tornar-se num borrão, numa pasta disforme de incógnitas onde o cinzento predomina no céu cada vez mais escuro, mais carregado com a ameaça permanente de um tremendo temporal.

«Amor, política, segredos e 2012» - Bagaço Amarelo


Ontem estive, como deputado da bancada do Bloco de Esquerda, numa Assembleia Municipal que aprovou o Orçamento e as Grandes Opções do Plano para 2012 do município aveirense. Não vos vou chatear muito com isto, mas aconteceu "por acaso" que a maioria do PSD votou a favor de um orçamento em que não se conseguiu explicar de onde se espera receber mais de 27 milhões de euros (ver imagem). Na prática, isto quer dizer que o Executivo fica com uma margem de 27 milhões de euros para realizar vendas e privatizações do que quiser sem ter que passar cavaco a ninguém, mesmo que essas vendas e/ou privatizações descapitalizem ainda mais o Estado, ou seja, todos nós. Três dos quatro deputados do CDS faltaram à sessão mais importante do ano, para assim não terem que votar nem discutir um Orçamento que é no mínimo... esquisito.
Porque é que Vos estou a falar disto? Porque hoje mesmo, na viagem matinal de comboio que fiz para o meu emprego, fui ouvindo uma discussão em que uma mulher dizia que "os políticos são todos iguais". Eu, como político, apetece-me dizer que os eleitores é que são todos iguais, porque vão votando sempre naqueles que mais os prejudicam para depois se queixarem. Ou então, pior ainda, nem sequer votarem e passarem apenas a dizer que os políticos são todos iguais. Mas sei que não é assim, que os eleitores não são todos iguais, e é por isso que não desisto de ter o meu papel político assumido. Nunca gostei de indefinições...
Sou assim na política, que é racional, mas também sou assim no Amor. Não gosto de indefinições nem de pântanos. Como na política, no Amor voto a favor ou contra o que a minha namorada diz ou faz, sempre com declarações de voto. Ela também, e ainda bem. Esse é um dos motivos pelos quais eu gosto muito dela. Muito mesmo. Entre mim e ela não há milhões escondidos para depois cada um usar como muito bem lhe apetecer. Não há segredos. É por isso que não há amuos nem divórcios.
E eu que sempre disse que na política não pode haver lugar para emoções, admito que me enganei. Pode, pode. E nós, eleitores, devíamos ser todos iguais nesta relação que temos com quem elegemos. Devíamos exigir que tudo se esclarecesse para depois não nos divorciamos a propósito duma discussão que nem sequer percebemos mas que... sentimos. Por estes tempos andamos todos, aliás, a sentir com mais intensidade.
Em 2012, já todos percebemos, vamos sentir ainda mais. É por isso que hoje Vos peço, com alguma humildade política e com toda a emoção que me liga a quem aqui passa, que dêem a mesma importância à política que dão ao Amor. É a única forma de ambos correrem bem.

bagaço amarelo
Blog «Não compreendo as mulheres»

Compre o seu calendário para 2012!



Raymond Burki - PressEurop

dezembro 30, 2011

Esquizofrenias profissionais

A minha amiga A., lá do reino de Sua Majestade, enviou-me  uma coisa tão verdadeira que até dói, sobre esta coisa do ser professor.
Só faltou acrescentar que, mesmo com 20 horas de aulas semanais num semestre (no ensino superior, que é qualquer coisa como mais de três vezes o horário normal de um docente), ainda há quem ache que aqui a escrava poderia acumular umas horitas noutro lado qualquer.
Ou que os alunos, se o professor lança as notas cedo demais, estraga-lhes as férias; se usa os 15 dias a que tem direito por lei, nunca mais se despacha e não faz a ponta de um chifre.
Tirando isto (e isto), é a melhor profissão do mundo (à excepção da crítica gastonómica ou da reportagem de viagens, vá...).

dezembro 29, 2011

Do engano e da dúvida

Se há coisa que nos passa com a idade é a certeza das certezas, sobretudo das nossas. Se não passa, é porque não crescemos, porque não soubemos amadurecer nem, como dizem os outros, to put things in perspective ou, como dizemos nós, relativizar. E relativizar é o contrário de absolutizar, de rotular, de formar dogmas. E o dogma dá segurança, constrói chão.
Viver sem certezas absolutas e aberta ao engano é uma canseira, um peso nos ombros, um perfeito disparate. E, todavia, é o que nos espera a todos os que tenhamos a ousadia de pensar (que me seja permitida a paráfrase livre de I. Kant), o atrevimento de pôr em causa, a insanidade de supor como seriam outras realidades, que não as que escolhemos e, se necessário, fazer opções diversas.

Ou então desejar que o nosso PR oferecesse uns workshops à malta sobre como nunca se enganar e raramente ter dúvidas. Poderia ser que, sendo uns socos dogmáticos, uns autistas incomportáveis, uns idiotas de primeira apanha, dormíssemos melhor e sem apertos no estômago ou noutro lado qualquer.

dezembro 28, 2011

utilidade pública - migrantes célebres... ou nem tanto

Com a devida vénia ao ilustríssimo amigo EM, que me fez chegar informação sobre tão brilhante grupo de palestrantes tunantes migrantes, numa lamentável hora em que há quem considere que o melhor de SER PORTUGUÊS é... não o ser:

Ciclo de conferências sobre o tema “Emigração no sec XXI”
Serão oradores os melhores especialistas da actualidade.
Promoção: PM&Cia
Acesso gratuito.
(Ver programa em anexo)

dezembro 23, 2011

um Natal para quem quiser...

era uma vez…
um natal feito desgraça
tão sem graça
a meio gás
sem luz nem riso na praça
às ordens do capataz
sem se iluminar a noite
com tudo o que nos apraz
sem coragem que se afoite
por raiva
amor
ou objecto
de saber que se é capaz
de dar brado e colher eco
cada um sob o seu tecto
mas irmanados na paz

era uma vez…
um natal de tal vergonha
dessa coisa vil
medonha
de não erguermos a voz
contra mantos de negrume
ou solitário azedume
sem vontade que se arrume
por não sabermos de nós…

e tudo era o que só era
sem apurarmos porém
que o amanhã está à espera
do dia que já lá vem…
não fiques então à espera
pois quem espera desespera
seja cá
seja em Belém

talvez se unirmos a voz
um ao outro
sem temores
seja o Natal mais de nós
e não de um outro qualquer
mais nosso
com mais valores
e será de mais amores
sempre que um homem quiser.

- Jorge Castro... Sendo esta a mensagem de Natal que me apetece deixar a quem por aqui passar.

dezembro 20, 2011

Esqueletos no armário

Não sei exactamente de onde vem a expressão, sei apenas que é a tradução à letra do inglês skeletons in the closet que, segundo o Urban Dictionary, aponta para segredos ou memórias passadas que o sujeito gostaria que não viessem à tona; não tem necessariamente que ver com passados sombrios, pode estar relacionada com momentos embaraçosos, causadores de vergonha (ou sentimentos similares), de que não se quer falar.

Lembrei-me disto a propósito de uma conversa, havida há tempos e provinda de onde menos se esperaria, relativamente à exposição a que me auto-submeto com o este blogue: porque é muito pessoal, porque escarrapachas a tua vida, porque isso pode vir a ser usado contra ti no futuro, porque profissionalmente pode vir a ser um impedimento. E blábláblá, que conversas destas conheço eu de cor e salteado e são mais uma pedra de toque para saber com quem lido.
E lido, normalmente, com quem tem armários carregados de esqueletos (os meus são mais roupa, sapatos e acessórios, sorry) e não concebe que haja alguém que, por não os ter, nada teme. Lido com quem não percebe o que é viver sem máscaras de qualquer tipo e de peito aberto para o feedback de quem gosta, de quem não gosta e de quem odeia (sendo, provavelmente, estes últimos, os que mais avidamente querem saber de mim, o que por si só os caracteriza na perfeição). Lido com quem gostaria de ter a mesma sorte mas não percebeu que, antes de mais, tem de proceder a uma limpeza nos seus próprios armários. Lido com quem vive no medo de não agradar, no medo de não ser querido, uma vez descobertos os seus esqueletos.

E depois há os outros. Os que, iguais a mim (não sendo melhores ou piores do que os demais), escolheram viver de armários limpos de porcaria e que, por isso, podem ser quem querem e quem escolheram. E podem dizer e fazer o que lhes apetece, sem medos. Porque, como me dizia uma amiga ontem, "eu não jogo em duas equipas"; e jogar em duas (ou dez ou cem) equipas é a grande maçada que tem de gramar quem prefere viver de armário cheio de coisas que quer esquecer. Até ao dia em que, de tão assoberbado, o armário se abra. Ou seja aberto. E nesse dia, os medos que as pessoas têm pela minha exposição serão uma ninharia, ao pé da quantidade de lodo que terá de limpar quem escolheu viver como a avestruz: fazendo de conta que não tem podres, espera que os outros não lhos reconheçam.
Até ao dia...

A especialidade de dizer coisa nenhuma

De passagem por conversas antigas, deparou com uma, em que dizia a alguém, a quem não sabia sequer o que dizer, à época, tamanha era a dimensão da mensagem que tinha à frente, que era "muito especial".
Agora, imensas luas passadas (seriam assim tantas?!), concluiu, com um sorriso triste de conformado, que só se usa o epíteto em causa quando não se quer ferir o outro com o honesto "olha, agradeço-te muito todos os elogios, mas não tenho nada de equivalente que te diga". É ai que entra o "é especial", que quer significar o muito que é o nada que se tem para retribuir.
No caso, a pessoa ripostou com um "os que me rodeiam também me dizem que sou especial e eu não consigo acreditar nisso". Na altura, achou que a coisa ficaria por ali e nunca pensou que, quase meio ano volvido e muitas conversas travadas depois, ficasse com duas certezas, ambas de travo amargo: por um lado, que não lhe gostaria de estar na pele, se tudo quanto a rodeasse fosse gente a dizer-lhe que é "especial", que é o equivalente a dizer coisa nenhuma; por outro que, infelizmente, a pessoa tinha toda a razão e que a especialidade não seria, de todo, o seu forte.

dezembro 18, 2011

A posta numa dívida soberana


Embora não seja coisa engraçada acho sempre imensa piada aos desabafos daqueles que choram a perda da soberania por via do torniquete que a crise nos aplicou.
A anedota encontro-a no facto de os maiores chorões se apregoarem adeptos de uma Europa fraterna, unida, quase irmã à luz dos impulsos federalistas dos mais interessados numa integração total e muito para além da economia que acaba sempre por constituir o motor para estas uniões de fato e gravata só para a fotografia institucional ser composta.

É complicado para mim entender estes receios hipócritas emanados dos mais entusiastas por aproveitarem o pretexto da crise para aprofundarem os laços da união que prova só funcionar na perfeição quando o dinheiro não é problema. Soa-me paradoxal, o instinto protector da soberania ameaçada pela ingerência nas Constituições dos países – o limite ao défice quantificado nos desígnios alegadamente superiores das nações – e a coragem unionista necessária para aceitar a imposição de regras que descaracterizam os países e forçam a importação de um modelo de sociedade muito parecido mas de forma alguma tão igual como o desejariam os snobes do norte europeu mais endinheirado.

Se antes a retórica política ainda defendia a custo a paridade, os mecanismos de protecção dos países mais pequenos ou periféricos que garantiam a igualdade no peso decisor dos diversos Estados, agora temos alemães e franceses a ditarem os caminhos a seguir como se o poder do dinheiro se sobrepusesse aos restantes. E afinal prova-se que se sobrepõe, como o demonstra a anuência dos restantes e a falta de tomates generalizada para assumir um murro na mesa para perguntar: afinal quem manda aqui?

Todavia nem perguntam e já nem tentam esconder, desorientados pela falta de soluções para o sarilho nascido da sua incompetência e da dos seus antecessores, intimidados pela condição de reféns do medo de se verem arrastados para o vórtice do furacão que já varre a Grécia, a Irlanda e Portugal, enquanto Itália e Espanha tentam escapar ao vendaval para não desabar toda a estrutura pelo efeito dominó.
São as regras do jogo jogado sobre as brasas do colapso iminente da tal união monetária que todos adivinham ser a única que interessa verdadeiramente e sem a qual tudo o resto é folclore.
Um jogo em que parecemos mergulhados no grupo mais perdedor, com a tal soberania derrotada em qualquer dos cenários concebidos pelos especialistas na matéria. Precisamente os que mais contribuíram para esta inevitabilidade aparente de perdermos pelo caminho uma realidade chamada Portugal, hipotecada aos mais poderosos pelo peso do dinheiro depois de séculos a impedir que tal acontecesse pela força das armas.

É um facto que devemos temer pela soberania, sobretudo pelo impacto da apatia e da cobardia generalizadas perante um descalabro que até faz ministras chorar e que entrega aos poucos o futuro do país nas mãos ávidas de quem não o sente dessa forma, como uma Pátria antiga capaz de feitos de dimensão mundial mas convertido em presa fácil numa impiedosa coutada de piranhas multinacionais.
É outro facto que ninguém pode garantir coisa alguma como moeda de troca para o estrangulamento de cada vez mais famílias e empresas à mercê de um sistema implacável onde nos endividamos perante quem nos empresta e quando voltamos a precisar damos de trombas com a verdade da condição financeira das instituições que nos poderiam valer até chegar o momento de ver tudo deitado a perder na frieza que os números negativos traduzem e implicam.

E na verdade quando se chega a esse ponto, as perdas das soberanias já pouco ou nada nos preocupam.

dezembro 17, 2011

Vampiros

Durante a minha vida, tenho-me cruzado com umas tantas pessoas que gostam tão pouco de si, que se prezam em tão diminuta monta, que, para não darem o tilt nem trabalharem a sua personalidade (o que constuiria uma canseira e isso é mal a afastar desde logo), aproximam-se de outras que, de algum modo, acham que as podem tornar seres melhores por contágio e laboram no sentido de lhes sugarem o que querem para si.
À primeira vista e numa primeira (mas curta, porque o tempo urge) fase, são seres dedicados, que parecem dar tudo quanto têm pela felicidade daquele/a a quem querem sugar o sangue e o resto e não descansam enquanto não lhes conquistam a confiança, o que passa por exaltarem o muito que têm em comum com o alvo que têm na calha, por lhe proporcionarem momentos surpreendentes e por concordarem com todas as suas opiniões, elogiando ad nauseam estes e outros atributos.
Mais tarde ou mais cedo, com mais ou menos trabalho, atingem o seu primeiro objectivo: o alvo cede e decide-se a confiar. E como o dito alvo não foi escolhido ao acaso, a confiança é absoluta e a entrega total.
Depois da presa bem envolta numa rede de mentiras e máscaras criadas para o efeito, mantêm a patranha durante uns tempos, para a cisão não ser tão notória; todavia, esta é a meta menos bem conseguida: a persona criada, ávida do alcance do seu objectivo primeiro, crava o dente e começa a sacar tudo quanto pode, de bom e de assim-assim. Cria na presa sentimentos de culpa e de compaixão, manipula-a à exaustão e a teia começa a ficar mais densa, sendo difícil escapar-lhe.
O que este tipo de vampiro nunca perceberá é que é manifestamente impossível retirar tudo quanto tem de bom quem tem, de facto, bem dentro de si. E, um dia, a presa começa a espernear, a reivindicar, a querer voltar a ser inteira. E não há casulo que prenda quem sabe o que é ser livre de demónios e feliz à sua custa, pelo que se libertará seja lá como for.
Uma vez liberta, poderá ainda ser alvo do predador, porque demorará até que perceba a razão pela qual, logo ela, que nunca devolveu a amargura e até cedeu sangue do bom em consciência, para limpar o do outro, já putrefacto, tinha de passar por tanta provação.
Mas o ser humano é uma coisa extraordinária e tem uma capacidade de sobrevivência quase mágica: o sangue começa a limpar-se de impurezas, os ataques não são mais do que alfinetadas menores e a certeza de que de um erro (mesmo dos graves) se podem tirar ilacções (e não só) positivas prevalecem.
O vampiro... o vampiro continuará a atacar almas boas. E a magoá-las. Mas, se pensarmos bem, não passa de um pobre ser quase acéfalo (no sentido em que jamais perceberá que a quimera de se tornar melhor é uma batalha perdida, salvo se alterar a metodologia e partir de dentro para fora), que nunca conseguirá retirar de ninguém aquilo que o tornará melhor: integridade, honestidade, respeito, valores e princípios.
Provavelmente, se algum vampiro me lê, nem saberá em que consistem os conceitos. É que estes, meus amigos, nem por contágio se transmitem, a gente que não possui coluna vertebral.

dezembro 15, 2011

O hipocrisismo

Um dos aspectos que mais me suscita estranheza na catadupa de medidas avulsas que este elenco governamental (como tantos outros) tem vindo a assumir – é a aparentemente escandalosa evidência de que as medidas tomadas apontam, em termos de elementar senso comum, para um efeito diametralmente oposto àquele anunciado como pretendido.

Vejamos alguns exemplos:

1 - Aumentar a idade da reforma não é, obviamente, uma flagrante medida de agravamento do desemprego, que nem suscita a mínima análise comprovativa por ser tão óbvia?

2 - E se a insustentabilidade da Segurança Social advém de haver cada vez mais idosos do que jovens – outra enormidade social, diga-se, e que não contempla a verdade primordial de que cada um descontará para si e não para gerações passadas –, como permitir e promover, então, que as novas gerações tenham acesso impedido ao mercado do trabalho? Para onde irá a sua própria segurança na reforma de que o Estado deve ser garante?

3 - Foram diabolizadas as «golden shares» em empresas de serviços nacionais – que já por si deveriam, em minha opinião, ser estatais pela importância estratégica que detêm na nossa soberania – e vai de privatizar a parte residual que cabe ainda ao Estado. Antes de mais, a «golden share» e a posse de acções não são, como é evidente, sinónimos. Isto é, se o Estado Português foi «obrigado» por Bruxelas a abrir mão dessa prerrogativa, tal não implica que o mesmo Estado tenha de abrir mãos das acções que detém.

Mas não, porque está aí o défice e é preciso empenhar anéis e dedos, para parecer bem aos nossos mandadores internacionais! A curiosidade é que, em casos de maior relevância como é, por exemplo, o da EDP, três dos quatro maiores interessados na aquisição de tais acções são, nada mais, nada menos, do que empresas estatais… de outros países! E o quarto, não sendo estatal, é pelo menos promíscuo em relação ao Estado do país em que está sedeado.

Resumindo o óbvio: o Estado Português vende, por mau preço, a outro Estado soberano as suas armas de defesa estratégicas e da pouca soberania que nos vai restando.  

No caso em presença, a EDP, ainda por cima uma das mais importantes empresas mundiais na área das novas tecnologias energéticas, pode mesmo dizer-se que estamos a entregar o ouro ao bandido. Ouro que cada um de nós está a pagar na factura da electricidade e que o «nosso» Estado abandalha e esbulha como se fosse dono dele.

4 – Mais meia hora de prestação diária para trabalhadores de empresas privadas, é outra coisa bárbara. Para além de me parecer uma das mais descabeladas traições ao ideário social-democrata pelo que comporta de ingerência do Estado na área privada – pelos vistos, outra hipocrisia -, aqui temos uma muito excelente medida para aumentar desnecessariamente os níveis escandalosos de desemprego que já atingimos, em Portugal.

Para além dessa minudência irrelevante de, com tal medida, ainda se coarctar mais a disponibilidade de tempo dos pais para os filhos, já de si tão estrangulada na lufa-lufa diária e na desregulamentação do mercado do trabalho em que vivemos, e tão geradora das desestruturações do núcleo primordial da sociedade, que se apregoa ser a família.   

 5 – A recolha de alimentos para «bancos alimentares», ideia de clamoroso e publicitado apoio social nos tempos que vivemos, também ela tropeça num resultado prático aparentemente alheio à recolha de tanta solidariedade, em que somos, definitivamente, pródigos: a engorda dos grandes supermercados, como resultante colateral desta acção cívica, que despacham milhares de toneladas de alimentos, a preço de custo normal e ainda «botam figura» nos telejornais e, porventura, no fisco.

6 – As taxas moderadoras (?), ideia já aberrante na origem, destinada – como aliás sempre se faz cá por terra de lusitanos – a resolver administrativamente maus hábitos criados pela ineficiência e ineficácia das estruturas prestadoras de cuidados de saúde existentes, atingiram o seu cúmulo de bizarria quando foram estendidas também às intervenções cirúrgicas.

Na verdade, mal se entende que o comezinho cidadão se apreste a levar uma facada mais ou menos extensa na sua anatomia, apenas porque o dia amanheceu sem sol, ou porque não lhe ocorreu nada de mais expedito para fazer.

No fundo e como é evidente para todos, trata-se de fazer com que o «tendencialmente gratuito» direito à saúde, que a Constituição consagra seja mais uma letra morta neste pântano de falta de ideias e de transparência, onde o cidadão pagante não faz a mais leve ideia de qual o benefício que colhe por cumprir, a tempo e horas, as suas obrigações contributivas.

A saúde passou a ser paga e com língua de palmo, essa é que é essa, por força dos devaneios socráticos, a que se seguem os «imperativos» troikulentos e passistas. Mas mantém-se-lhes o nome de «taxas moderadoras», como modo imbecil de enganar papalvos.

Quando se discute a insustentabilidade do modelo de alta craveira civilizacional que seria o Serviços Nacional de Saúde, se o deixassem medrar, não se equaciona, por um simples momento, toda a mais-valia que representa para o interesse da nação uma população saudável e satisfeita, falta de abordagem essa que vai inquinar, à partida, qualquer avaliação objectiva.

Mil outros exemplos poderiam ser citados, nesta chusma de medidas cegas e avulsas, em perpétuo movimento de avanços e recuos, do Ensino à Saúde, da Cultura à Segurança Social, em que o actual elenco governamental se tornou perito.

Sabemos apenas que num país onde tudo é tão caro quanto na restante Europa, onde são pagos os mais baixos salários, a par da cobrança dos mais elevados impostos, taxas e quejandos, meia dúzia de bonzos insistem em gorgolejar que temos andado a viver acima das nossas possibilidades, que temos de fazer ainda mais sacrifícios, que temos, afinal, de aprender a desviver.

E se é tudo anunciado em prol do combate ao défice, todos apuramos que delas apenas resulta o cada vez maior embrutecimento de todo um povo, transformável em rebanho ordeiro e cabisbaixo, a caminho da matança e da esfola, agitando os chocalhos complacentes ao som de alguma tonicarreirice das mais foleiras.

Ai, ele andam aos tiros de caçadeira às portagens das SCUT e a sequestrar altos figurões de empresas públicas para lhes rapinar umas centenazitas de euros? Pois, já lá dizia a minha avozinha, aliás, uma santa senhora, que quem semeia ventos colhe tempestades… Ou, adaptando aos casos em presença, quem semeia hipocrisia, há-de colher a demasia.      

Dissertação sobre a Culpa.

Na sequência deste post anterior, cumpriram-se me as considerações que de seguida partilho.





O complexo de culpa é de facto inerente a este arquétipo cultural.
Inclusivamente, nascemos já com a culpa original, o pecado original pelo qual, mesmo sem ainda ter feito coisa alguma, estamos condenados às fogueiras dos infernos. Salva-mo nos pelo baptismo... mas apenas para começar, pois a culpa está sempre presente em todos os actos da vida...

Fui educado - como quase todos neste gomo, a grosso modo, do hemisfério Norte e Oeste em que se dividiu o mundo- dentro do espartilho estreito do Cristianismo; um sistema de condicionamento comportamental que trabalha subtilmente o campo da culpa, do castigo sempre presente, amenizado de forma superior pela redenção alcançável mas sempre preclitantemente dependente dum juízo à hora da morte. A redenção, a recompensa é assim, antes de mais, um território de conforto, de construção interior, formatado por um envolvimento pecaminoso, entenda-se: a Culpa.
Iniciada com a expulsão do Paraíso, de algum modo desde Moisés que a mensagem está bem presente: sofrer a travessia no deserto para expiar a culpa, pois lá no fim fica Canaan, a terra prometida. A redoma de conforto fica assim sempre mais além, no fim da vida, e melhor ainda, depois dela quando não é exigível pelo passivo o cumprimento do sonho quando- no mundo dos vivos- era um activo.

Há um Deus que recolhe as almas e as põe do seu lado; o direito, que fique registado. Mas repare-se: mesmo depois de mortos, este Deus, apenas recolhe as que foram por esta ordem: crentes, tementes e cumpridores. Os outros ficam a sofrer eternamente nos infernos. Contrariamente aos infernos de onde o judaísmo bebeu as influências onde este apenas era uma passagem para o renascimento, este inferno judaico-cristão-e-derivados, prolonga o sofrimento terreno "ad eternum". Haverá melhor sistema de domínio político do que este que nem na morte dá ao cidadão o direito à paz?


Charlie

dezembro 13, 2011

A culpa judaico-cristã e uma analogia

Tenho para mim que o "estado a que isto chegou" se deve, em larga medida, à forte raiz judaico-cristã em que somos enxertados, crentes e não crentes. E ao sentimento de culpa, que a ilustra tão bem.
Sempre que assisto ao penitente "sinto-me tão culpado/a...!" lembro-me do "álibi das fotocópias", aventado por Umberto Eco, no seu livro Como Se Faz Uma Tese Em Ciências Humanas, com que bombardeio os meus alunos de Técnicas de Estudo, Investigação e Expressão Jurídica: corresponde este conceito a um hábito comum que os alunos (principalmente os recém chegados ao ensino superior) apresentam, o de tirar todas as fotocópias, comprar todos os livros e imprimir todos os materiais que os professores indicam, para os pousarem algures no seu canto de estudo e sentirem que metade do trabalho está feito, quando o labor ainda nem sequer começou.

A analogia encontra-se justamente aqui: o sentimento de culpa não pode jamais, como as fotocópias, ser um ponto de chegada (do género: "pronto, sinto-me culpado/a, assumi a culpa e agora vou ali sofrer um bocadinho por ter sido tão mauzinho/a) mas apenas e só um ponto de partida, como quem diz: "fiz merda da grossa, sinto-me responsável [o conceito de responsabilidade agrada-me muitíssimo mais, soa-me menos a des-culpa esfarrapada] e agora vou mas é pôr pernas ao caminho e tratar de emendar o mal que fiz ou, se não houver nada a emendar, tratar de me assegurar de que não cometerei jamais o mesmo erro".
(Do mesmo modo, o aluno que é possuidor do material deve parar para pensar: "e agora, o que fazer com ele?" e fazê-lo, efectivamente!)

Causam-me comichões os que, sentindo-se culpados, não passam do estado lamentável da pena por si mesmos. Sem nada fazer. Sem mexer uma palha. Sem mudar o que quer que seja.

Em contrapartida, temos aqueles que nascem para FAZER, em vez de arengar argumentações circulares labirínticas pelas quais são tolhidos e colhidos e donde dificilmente virão a sair: hoje, o P. e a K. intuíram que eu precisava deles. E eu precisava, mesmo que não soubesse. Ligaram-me a dizer: "ah e tal, gostaríamos tanto de estar aí, mas a distância/o trabalho/o cágado/a crise/a vida não nos possibilitam"?! Não. Fizeram-se à estrada e palmilharam trezentos e tal quilómetros para cada lado, só para almoçar comigo. E só me avisaram quando estavam a chegar. Porque independentemente da distância/do trabalho/do cágado/da crise/da vida, há gente que faz muito e por isso, não precisa de dizer grande coisa; provavelmente para contrabalançar os (muitos) que, de tanto falar de mea culpa, se esquecem daquilo e daqueles por que deveriam sentir-se responsáveis. Nunca penitentemente culpados, porque isso só os leva a manterem-se onde estão: a cêpa torta, que não leva ninguém a lado algum, para além do seu mui sofrido umbigo.)

dezembro 12, 2011

E o preguiçoso sou eu?!

Vejam as estatísticas da OCDE sobre horas de trabalho na Europa em 2010:


Os Portugueses trabalharam, em 2010, uma média anual de 1.714 horas. Os Alemães trabalharam, em média, 1.419 horas. Os Franceses, 1.554 horas.
Ou seja, os Portugueses trabalharam mais 20% que os Alemães e mais 10% que os Franceses.
E o total de dias de férias anuais? Os Portugueses, com 22 a 25 dias, são os que têm menos férias dos países desta lista.
Vão enganar o raio que os parta!

dezembro 11, 2011

Com a devida vénia e o devido respeito, transcrevo o texto da autoria do Tenente-Coronel da Força Aérea, com a especialidade TODCI, José Lucas, que recebi na minha caixa de correio electrónico. Quando dizemos que há mais vida para além do défice, também deve ser a casos destes que nos referimos.

JC

«HERÓI POR 300 € 

A notícia já correu o Mundo inteiro. Seis tripulantes de um barco de pesca, o ‘Virgem do Sameiro’, de Caxinas, foram encontrados por um helicóptero EH-101 da Força Aérea e foram salvos pela tripulação do mesmo, nomeadamente por um Sargento-Ajudante (o recuperador - salvador), que pendurado num guincho, arriscou a sua vida em 6 subidas e descidas.

O panorama é inimaginável.

Um helicóptero no meio da imensidão do mar, com mar agitado, os pilotos tentando colocar o helicóptero na melhor posição (o que é dificílimo, tratando-se de um navio grande, quanto mais de uma simples balsa salva-vidas, a turbulência provocada pelas pás do aparelho, o recuperador - salvador a descer e a subir, a ter de recuperar um a um, estejam feridos ou não. Parece algo de outro mundo, mas não é,... aliás, afinal é!

É algo do outro mundo, pelo menos do meu mundo, pois não tinha condições para o fazer. É algo deste mundo, porque estes heróis da Força Aérea fazem-no diariamente, arriscando a sua vida para salvar outras vidas. Muitas vezes fazem-no mas muito mais longe, a cerca de 150 km da costa. Se houver uma falha humana, uma avaria e o helicóptero cair, provavelmente morrerão (pois é preciso que outro meio aéreo que está em alerta descole, voe, os encontre com vida e consiga recuperá-los). 

Mesmo assim, este militares cumprem o seu dever: têm família, filhos, que têm como dado adquirido que o pai volta mais logo e, nem imaginam que tal pode não acontecer. Poucas pessoas sabem o seguinte:

a) O Sargento-Ajudante recuperador-salvador está neste trabalho voluntariamente;

b) O Sargento-Ajudante recuperador-salvador está neste trabalho porque passou por testes e provas dificílimas, apenas acessíveis aos melhores física e psicologicamente; 

c) O Sargento-Ajudante recuperador-salvador ganha cerca de 1300 € limpos (um profissional com muitos anos de carreira, que arrisca a vida muito mais do que ninguém, voluntariamente, por amor ao serviço, ao próximo); 

d) O Sargento-Ajudante recuperador-salvador tem de estar disponível 24 horas por dia, deixando a família para trás a qualquer momento, sempre que for chamado ao serviço inopinado; 

e) O Sargento-Ajudante recuperador-salvador recebe cerca de 300 € líquidos de risco de voo (menos do que os pilotos, que também arriscam a vida, mas arriscam menos pois não estão pendurados num guincho); 

f) O Sargento-Ajudante recuperador-salvador, tal como os demais militares dos 3 Ramos das Forças Armadas, continua a salvar vidas, com ânimo, profissionalismo e competência, apesar de lhe terem cortado o vencimento desde o ano passado, apesar de lhe terem tirado o subsídio de férias e de Natal, apesar de não ter perspectiva de evolução na carreira nem aumento de ordenado; 

g) O Sargento-Ajudante recuperador-salvador não tem mordomias, carros de luxo, condutor, sala própria, secretária, telemóvel de serviço, despesas de representação chorudas, outros emolumentos mais ou menos disfarçados. 

h) Para mim, estes são os verdadeiros heróis, aqueles que apesar de fortemente penalizados, fortemente incompreendidos, apenas lembrados aquando de actos heróicos mediáticos como este, continuam dia após dia a cumprir além do dever.

O Sargento-Ajudante recuperador-salvador, como todos os militares merecem o respeito por parte de quem governa, para que entendam que não se trata de um funcionário público (aliás muitos respeitáveis), mas sim de um cidadão especial, que jurou publicamente dar a vida pela Pátria, dar a vida para que outros vivam.
À atenção de quem de direito !!!

José Lucas

PS - Num exercício de imaginação, tentei considerar a hipótese dos respeitados e digníssimos representantes do povo, na Assembleia da República (AR) receberem 1300 € de vencimento mais 300 € de risco. Provavelmente a AR ficaria vazia. Dir-me-ão: mas não é a mesma coisa, são responsabilidades diferentes. Pois são: o Sargento-Ajudante recuperador-salvador arrisca a vida 


diariamente para que outros vivam!»

Compreender a Dívida Pública

"(...) Diz-se que a dívida pública é causada por uma má gestão das despesas do Estado ou por uma baixa competitividade e que as únicas soluções são privatizar a economia e aplicar planos de austeridade. Mas isto são tretas! É matematicamente impossível resolver a questão das dívidas públicas e privadas sem abordar a questão da criação monetária pelo crédito com os juros associados, porque estas são as causas naturais destas dívidas. (...)"

dezembro 10, 2011

Dobragens de notas de 1 dólar


«Live free or die»
(«Vive livre ou morre»)



«We need a revolution»
(«precisamos de uma revolução»)


Um trabalho de Dan Tague

dezembro 07, 2011

«Golpes de Estado na Grécia e na Itália» - artigo do blog Octopus



Excertos:
"Golpe de Estado: tomada inesperada do poder governamental pela força e sem a participação do povo. (Dicionário Houaiss)


A banca no poder, ou o poder da banca


As substituições de Georges Papandreou por Lucas Papademos e de Berlusconi por Mario Monti foram na realidade dois golpes de estado de um um novo género, sem tiros, sem sangue, orquestrados pelos mercados financeiros.
O método é simples: criar uma enorme pressão sobre as taxas de juros das dívidas dos países visados, o que desencadeia uma enorme instabilidade política e por fim, apresentar um tecnocrata para tomar conta dos destinos do país.
Estes golpes de estado não são perpetrados por um grupo político ou pelas forças armadas. As mudanças de chefias políticas são apresentadas como uma necessidade em consequência da engrenagem da desconfiança dos mercados sobre a capacidade de certos países em pagar as dívidas.
Ultrapassando as instâncias democráticas dos respectivos países, são então instalados no poder pessoas ligadas aos grandes grupos financeiros mundiais. Mario Monti está ligado ao Goldman Sachs, assim como Mario Draghi, recentemente eleito presidente do Banco Central Europeu. Lucas Papademos foi governador do Banco da Grécia durante a falsificação da dívida grega pelo Goldman Sachs. Todos são membros da Comissão Trilateral ou do clube de Bilderberg.
Actualmente, os lugares-chave do poder na Europa estão nas mãos do Goldman Sachs. Como chegaram a esses cargos? Com que meios e com que fim? Salvar os Estados Unidos à custa dos europeus?


E Portugal?


Em Portugal, daqui por umas semanas ou meses, pode muito bem vir a acontecer o mesmo. Perante a fraca liderança de Passos Coelho e a fraca alternativa política de António José Seguro, e com o crescente agravamento da crise financeira portuguesa, pode vir a ser imposto a Portugal um homem de confiança da banca (...)"

Recomendo a leitura integral deste artigo aqui.

dezembro 06, 2011

Abolição de feriados - o cúmulo do SIMPLEX

A opinião do Charlie:

"Para que uma data emblemática nunca o deixe de ser, é necessário em primeiro lugar dar-se-lhe o ênfase merecido. Se o dia 1 de Dezembro nada diz à grande maioria dos Portugueses, este facto deve-se quase a cem por cento à atitude dos responsáveis pela transmissão dos valores nacionais e universais.
Disciplinas como História, Filosofia, Literatura, etc. têm sido sucessivamente relegadas para planos secundários e «esqueciários», como se a vocação do Homem não fosse mais a do seu crescimento espiritual em primeiro lugar, onde a componente material se situa apenas no suporte do primeiro dado.
Tenho conhecido, na área da minha actividade, jovens e brilhantes engenheiros completamente ignorantes em relação a quase tudo o que saia do seu âmbito profissional.
Como não sou o centro do mundo, esta situação deverá ser o perfil médio da classe que nos irá governar no futuro e que, em grande medida, já estão presentes nos quadros executivos, de um modo geral. Só assim se compreendem certas decisões em relação a disciplinas fundamentais como a Filosofia. É confrangedor assistir-se a programas como «O elo mais fraco» e outros, onde a ignorância à volta de factos fundamentais é a tónica.
Será quiçá importante para quem domina a economia transformar Homem Sapiens em Homem Carneirus, Consumidoris, Estupidiz, Pagantis e Não Bufantis.
Se este perfil é o que caracteriza a nova geração Portuguesa, que o actual presidente ajudou a formatar aquando das suas responsabilidades, então receio bem que o dia um de Dezembro, se referendado, continue a ser feriado. Não pelas razões Históricas, de brio nacional, dando assim um mote para que lutemos pelo que é nosso, mas antes pelo motivo que mais agrada aos homens da cartola: mais um dia para que a carneirada se enfie nos Hipers de focinhos enfiados nas prateleira a consumir sofregamente os fardos de palha embalados em caixinhas de telemóvel... e quejandos."

dezembro 02, 2011

«Euro Jima»



por Hejo de Reijger para o «NRC Handelsblad», Holanda
via PressEurop

novembro 30, 2011

novembro 29, 2011

As pontes que não sabemos construir

Não se trata já sequer de indignação, de desprezo ou de asco. Trata-se, talvez, de uma mescla de tudo isso e muito mais que configura o que, com mais propriedade, chamaria raiva.
Ultrapassei, pois, a fase de ser mais um mero indignado, para acrescentar a componente activa e passar a considerar-me enraivecido. Enfim, as palavras valem o que valem…
Mas mal ouço falar em «pontes», como elemento perturbador da produtividade nacional, não posso deixar de sentir vontade de comprar uma funda.
Mas logo que me falam em prestação de mais meia-hora de trabalho a troco de nada, como factor preponderante para a competitividade das empresas, não deixa de me ocorrer um ímpeto de me munir com uma moca.
Mas, ainda, quando tentam apaziguar-me com a informação de que «apenas» acima dos estrondosos 600 euros é que haverá pensionistas e reformados a ser taxados, avassala-me uma descontrolada necessidade de lançar mão a uma forquilha.
Nada que resolva nada, claro, mas lá que essas vontades me assolam a vontade, é uma enormíssima confidência que aqui vos deixo.
Vejamos, algumas discorrências a propósito:
- Nunca fiz «ponte» nenhuma sem que, para tal, não tivesse de sacrificar um ou mais dias de férias. Irritam-me, pois, supinamente os estúpidos que falam em que temos de acabar com as «pontes», a bem de uma qualquer economia do país.
- Também nunca desempenhei uma função contratualizada sem que alguém não me pagasse um valor definido que retribuísse o trabalho executado – exceptue-se o voluntariado que, como se poderá reparar, é voluntário... Enfim, há outra modalidade, mas essa chama-se escravatura e consta-me que Portugal a aboliu há uns anitos.
- Há vários anos que seiscentos euros (ou seja, cerca de cento e vinte contos, em dinheiro antigo) pouco ultrapassam, em Portugal, o limiar de pobreza. Escapa-me, então, o sentido de ir buscar este extraordinário «referencial» para definição de patamares sociais.
- Falando da meia-hora diária, ainda se, pela tal meia-hora anunciada alguém pagasse o valor proporcional a tal acréscimo de desempenho... Aí poderiam ganhar todos: ao alegado acréscimo de produtividade corresponderia um aumento de honorários e consequente receita fiscal. E, mesmo assim, esta medida continuaria a agravar o problema do desemprego. Mas não. Prevê-se tudo a fundo perdido, parecendo que os anseios maiores destes profetas da desgraça querem para nós – que não para eles! – a regressão a tempos feudais, eles como senhores e a maralha como servos da gleba, ou como os novos escravos. Só que as legiões romanas deixaram de contar com César, deslocalizaram-se e, agora, situam-se algures no centro da Europa e têm uma personagem andrógina, verbalmente incontinente a comandá-las, uma tal Merkozy.
Tudo, uma vez mais e sempre, em benefício de um dos lados à custa do outro.
E o empregador fica, pateticamente, à espera de que alguém fale dos custos das diversas componentes que oneram o produto final às empresas nacionais, para que possam ser verdadeiramente competitivas, como sejam combustíveis, energias, águas, transportes, taxas múltiplas e desvairadas, burocratices, etc., etc., onde invariavelmente paira a despudorada garra do Estado... Do estado a que isto chegou, como diria o Salgueiro Maia.  
Onde pára, no meio desta mixórdia, o mítico interesse nacional? A imperiosa necessidade de políticas racionais e razoáveis, de sacrifício, sim senhor, mas de sacrifício de todos os envolvidos, de contenção, sim senhor, mas de contenção de todos os envolvidos; de empenhamento, sim senhor, mas de empenhamento de todos os envolvidos? Em lado nenhum!
Continuamos todos alegremente à porra e à maça, agitando-nos freneticamente atrás de dirigentes políticos que funcionam apenas como quintas-colunas infiltradas dos interesses dos respectivos patronos sem pátria… e metade de nós nem sequer votamos.
Espantosa e extraordinária esta apetência de suicídio colectivo, à escala global e a prazo.
E da nova sociedade que se erguer dos escombros quantos de nós assistiremos ao seu advento, de coração limpo e cabeça fresca?  

Do cuidado: a comunhão entre Caetano Veloso e Aristóteles

Não sou Psicóloga nem tenho jeitinho nenhum para a área (o savoir-faire ficou todo para a R.), mas parece-me evidente que quem ama cuida e quem não ama só cuida se lhe apetecer.
Passo a explicar: quem gosta (mas daquele gostar mesmo a sério, não perco tempo a referir-me aos outros) encara o bem estar do outro como prioridade e, por tal, é-lhe inevitável, quase contra-natura, não cuidar dele/a. E, porque o sentimento é recíproco, cuidar do outro é como cuidar de si mesmo, não há ali lugar a cobranças nem a desequilíbrios.
Quem não gosta, ou gosta assim-assim, ou está a ver se gosta, ou não sabe se quer gostar, cuida antes de mais de si mesmo. Pode até parecer cuidar do outro/a, mas é a si, antes de mais, que acarinha, porque é a personagem principal do seu mundo de afectos e não há nada a fazer. E isto não tem mal algum, não me interpretem mal, quem sou eu para apreciar o modo como as pessoas relacionam...!? Cada um escolhe o cuidado que quer ter com o outro e que crê que o outro deva ter consigo; se estiverem bem, palminhas, palminhas, que o amor é lindo e cada um o vive como quer.

O problema é a mistura.
(Shhhhh, deixem-me acabar, sim? Vão acabar por perceber que sou uma xenófoba sentimental e pode ser que isso vos dê jeito, num futuro próximo, para o usarem contra mim. Depois não digam que não sou amiga.)
Um hetero-cuidador nato estará condenado à infelicidade eterna se cometer o disparate de se apaixonar por um auto-cuidador: é que, bem vistas as coisas, serão duas pessoas a cuidar de uma só, o que é menino para, mais dia, menos dia, pôr os nervos em franja ao primeiro (o outro estará deliciado com o cuidado redobrado e nem perceberá a causa do arrufo).
Nesta coisa dos amores, há raças. E este é o único mundo onde a mescla pode ser um perfeito disparate.

O que é que têm em comum Caetano Veloso e Aristóteles? Oh caramba, não salta à vista?
O silogismo, pois então,! Se não, observem:
"Quando a gente gosta é claro que a gente cuida", certo?
Que é o mesmo que dizer, muito simplesmente:
Todo aquele que ama, cuida.
Y não cuida de Z.
Y não ama Z.

Depois não me venham dizer que a vida é complicada, sim?

novembro 28, 2011

Empatia - a palavra injustiçada

empatia s.f.
1. faculdade de compreender emocionalmente um objecto (um quadro, por ex.)
2. capacidade de projectar a personalidade de alguém num objecto, de forma a que este pareça impregnar-se dela;
3. capacidade de se identificar com outra pessoa, de sentir o que ela sente, de querer o que ela quer, de apreender do modo como ela apreende, etc. (...).

(Não, não inventei nada disto, é só consultarem a 1458ª página do Tomo III do Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, edição de 2003, do Círculo de Leitores)


Há palavras que se proferem em vão, por certo sem dolo, apenas porque se desconhece a profundidade do seu significado, mas ceifando-lhes a abrangência. Esta é uma delas.
Em Pensamento Crítico, dizemos que o único modo de percebermos a posição do outro, por mais diametralmente oposta que seja à nossa, é sermos empáticos com ele. Ora isto é mais ou menos equivalente a espetar facas no cérebro do ser humano: coméquié?! Mas então se eu não concordo com ele e estou certo/a da minha perspectiva, vou agora tentar pensar como ele pensa? Sentir como ele sente?! E eu lá quero o que ele quer, c'um escafandro! Quero justamente o oposto... Mas está tudo aparvoado ou é só a prof que deu o tilt de vez?!

É. A prof está ali sempre junto ao tilt, não vamos agora desmentir factos comprovados. E a professora é muito melhor a ensinar como se faz do que a fazê-lo de facto. E a professora está a falar de um assunto muito delicado, porque não se refere apenas à situação argumentativa em sala de aula mas à vida, cá fora.
Viver-feliz-com é, antes de mais, ser empático. E se não há empatia, no sentido acima descrito, é melhor viver-feliz-sem e não se fala mais nisso, porque a alternativa é viver-infeliz-com, coisa a que só os muito masoquistas se sujeitarão.
E isto é facílimo de dizer, porque se trata de uma evidência quase matemática, mas extremamente complicado de praticar.
Às vezes, a vida empurra-nos para onde não queremos, porque não nos demos ao trabalho de fazer o exercício da empatia (que, não nos iludamos, tem de ser igualmente praticado pela outra parte, sob pena de darmos uma face e a outra e uma terceira, se a tivéssemos, sem nada receber em troca). E fazer o exercício acima é quase violento, quando não vamos aos treinos. Treine-se mais, portanto. Os resultados não tardarão a aparecer.

novembro 27, 2011

Os erros(?) de Coelho & Gaspar, ou o porquê da premência de Keynes

Quando nos inteiramos pela imprensa especializada, e até a generalista, dos putativos futuros proprietários das jóias da Coroa Portuguesa - entendam-se, as grandes empresas públicas nacionais a "privatizar" -, não podemos de deixar de sentirmo-nos tomados por um enorme desconforto, mágoa e até revolta.
Não é suposto que submetidos a agendas ideológicas, os governantes tenham a liberdade e a impunidade para perpetrar acções que se podem classificar como sendo as de crimes económicos.
A primeira falha, se dermos o benefício da dúvida à genuinidade ideológica do grupo executivo, é a que diz respeito ao pressuposto de que a entrada de capitais privados nas empresas a alienar traria uma vaga de fundo de investimentos, também estes na esfera do mundo da iniciativa privada com efeitos multiplicadores no nosso território e na sua economia. Estas medidas, corajosas dizem eles, seriam o dobrar de um cabo, um corte com um determinado sentido histórico e o empreender por um novo caminho.
Sabemos agora, que as vagas de interesses manifestados pelos investidores internacionais por estas empresas se espraiam pelos areais dos média, sendo assim do conhecimento comum, que os tais "privados" super interessados em adquirir as nossas empresas públicas, são afinal blocos de interesses.... não privados, mas igualmente públicos mas pertencentes a outros países e obviamente subordinados aos seus interesses macro económicos.

E aqui temos definitivamente de parar, mas parar mesmo para pensar, melhor, para saltar fora deste comboio suicida pilotado por maquinistas, ou incompetentes ou corruptos.
Não será no mínimo elegante acusar de ânimo leve, e por isso retiro a segunda, mas quanto à primeira afirmação estou certamente no direito de suscitar as mais fundadas dúvidas quanto à competência deste executivo: não é aceitável colocar os nossos interesses estratégicos sob o mando de interesses estratégicos alheios! E neste particular não há, não existe ideologia que consiga dourar a pílula, fazer a quadratura do círculo, ou fazer-nos aceitar o inaceitável: a literal perda de soberania económica.
Se atendermos à génese da crise temos mesmo que recuar aos postulados essenciais de Keynes, quase caído em desgraça nestes tempos dominados pelo neoliberalismo selvagem que em Gaspar & Coelho tem os seus locais representantes.
E é fundamental que atendamos ao que nos está a acontecer para que saibamos discernir, saber dizer NÃO! de forma fundamentada. A "ajuda" do FMI , tão veementemente exigida pelos que anteriormente na oposição tem agora responsabilidades governativas, é na verdade um processo de tremenda agiotagem. Os juros e comissões que Portugal, ou seja cada um de nós, tem de pagar aos "salvadores" estrangeiros, são de tal forma pesados, que mais se assemelham a indemnizações de guerra. São impossíveis de pagar nos prazos exigidos e pior ainda se ficarmos impedidos da gestão efectiva da teia estratégica empresarial.

E importa aqui então recordar o que diz Keynes a propósito de juros. " A longo prazo é sensato acabar completamente com os juros de capital como fonte de receita.
Excluam-se as despesas administrativas decorrentes das operações de empréstimo pois se não devem gerar lucros, também não devem causar prejuízos.
Não é admissível que grupos económicos façam dos juros de capital uma fonte de rendimento como se de uma propriedade efectiva se tratasse: um proprietário de terras pode lucrar com a posse delas, mas os donos de capital não, pois a terra é escassa, mas não existem razões efectivas para a escassez de capital. "

Sempre que os juros foram baixos houve investimento e crescimento económico. Olhando para a crise actual que paulatinamente está a corroer toda a Europa, damo-nos conta como foi a a perversão do valor abstracto do capital que nos conduzio ao ponto onde nos encontramos agora. Eles, os soturnos detentores das grandes massas de capital, também sabem que os juros de capital por mais capital não são posse verdadeira; o capital, genericamente considerado é trabalho acumulado, do qual o dinheiro é apenas uma representação abstracta, e o que vale de verdade sao bens. Por esse motivo é de todo ilegítimo ceder aos detentores do capital, os quais através de manobras sórdidas de bastidores, estão a conduzir-nos à perda efectiva daquilo que é de facto valioso: os meios de produção, as empresas e demais tipos de propriedade. E se eu, apenas um mísero cidadão vê isto, não entendo, melhor, não admito que os que supostamente devem defender os meus interesses não o entendam. E esta revolta que me toma não se limita aos rostos nacionais. Desde Merkell a Sarkozy passando por todos os outros que tem na mão a possibilidade de curar a mordedura do cão com o pêlo do mesmo cão, todos eles tem em comum a postura de considerar o dinheiro como um bem mais valioso do que os todos os outros, quando é precisamente o contrário. Não é entendivel que não injectem literalmente a Europa com €uros, que libertem a pressão exercida sobre a moeda que outra finalidade não tem que não a do assalto à essa mesma e velha Europa.
A História será escrita no futuro, e então ninguém compreenderá como os responsáveis de agora foram de tal forma irresponsáveis...


charlie

novembro 24, 2011

O que nós também andamos a dizer


"Quando a última árvore tiver caído, 
quando o último rio tiver secado 
e o último peixe for pescado, 
vocês vão entender 
que o dinheiro não se pode comer"

Ainda há poucos dias o Charlie comentou por aqui:

"O que me espanta é a falta de visão estratégica desta maltinha sôfrega: não existem bons negócios se eles assentarem sobre a ruína da clientela. Ou muito estarei esquecido ou então o conceito de «renda» e «rendimento» perdeu o sentido. Esta gente, que manda nos vendidos que mandam palpites na TV, tem do longo prazo a noção exacta do peixinho no aquário, uns meros cinco minutos.
É ver os correctores esquizofrenicamente agarrados aos telefones em frente a uma plêiade de ecrãs a fazer o melhor negócio da vida deles, cada trinta segundos...E então, senhores... que tal plantar uma árvore e esperar que ela cresça? Que tal ter um filho e fazer de cada segundo de amor, uma eternidade que levamos connosco a toda a hora? Que tal saborear um pôr-do-sol, manso, ao fim de um dia de trabalho? Que tal mandar os filhos da puta à merda e fazer valer a única coisa valiosa que temos e que é esta vida, porque não temos outra?"

Greve Geral - Artigo de opinião


Porque é de mim que se trata, mas de ti, também. Do meu filho, como do teu. Das nossas famílias. Da nossa dignidade. Da nossa capacidade para enfrentar a adversidade e de lhe dar luta e resposta. De cantar já hoje pelos amanhãs que todos queremos que cantem. Porque devemos assumir a consciência de sermos essa montanha de espírito com gente dentro. Porque não basta a indignação e a revolta se elas não se traduzirem em mudanças de atitude.  

Faço greve, sim, porque HOJE é este o modo de manifestar o meu profundo desagrado pelo rumo que Portugal tomou.

Faço greve, sim, do mesmo modo que adquirirei os produtos da SICASAL como apoio ao empresário e aos trabalhadores que estão a dar um exemplo notável de ânimo, solidariedade e resistência contra a adversidade, mas partilhada por todos e para todos.

Faço greve, também, por aquele trabalhador que há quinze anos é subcontratado, com ordenado de miséria, a fazer trabalho desqualificado, em violação flagrante com tudo o que é legislação laboral e a que nenhum governo tem prestado atenção nenhuma.

Faço greve, ainda, por quantos se vêem caídos no desemprego e são constrangidos a estender a mão ao mais abjecto e hipócrita «apoio social», para matarem a sua fome e a dos seus.

Eu, felizmente, por enquanto estou bem, obrigado. Mas… e os outros? Muito melhor do que qualquer outro arrazoado e infindáveis razões que me poderiam ocorrer, deixo-vos com Brecht:     
  
Bertolt Brecht
A indiferença

Primeiro levaram os comunistas,
Mas eu não me importei
Porque não era nada comigo.
Em seguida levaram alguns operários,
Mas a mim não me afectou
Porque eu não sou operário.
Depois prenderam os sindicalistas,
Mas eu não me incomodei
Porque nunca fui sindicalista.
Logo a seguir chegou a vez
De alguns padres, mas como
Nunca fui religioso, também não liguei.
Agora levaram-me a mim
E quando percebi,
Já era tarde.

novembro 21, 2011

«Reforçar a ação dos Business Angels» - por José Couto

foto «Diário as Beiras»
Durante as duas últimas semanas os meios de comunicação têm dado espaço noticioso à atividade dos Business Angels, enfatizando a capacidade destes cidadãos se assumirem como investidores em negócios que estão na fase de afirmação, na fase de transição entre a afirmação enquanto projeto de ideia e a passagem a um projeto empresarial.

As iniciativas dos Business Angels (BA) revestem-se de um valor significativo. A intervenção destes investidores e empreendedores é importante e está ligada ao seu perfil: são pessoas que possuem conhecimentos sobre áreas de negócio e sectores, com capacidade de gestão e de investimento. Portanto, pessoas que para além do capital introduzem competências de gestão na organização. Estes investidores levam recursos financeiros, experiencia de gestão e uma multiplicidade de contatos para as empresas que se encontram numa fase inicial do seu processo de crescimento, estes Business Angels tomam decisões que estão para lá de um plano de negócios, de uma tecnologia, de um saber fazer, estão a estabelecer uma relação de confiança com o empreendedor. O envolvimento dos BA nas empresas serve em muito dos casos para pilotar a evolução dos projetos empresariais e gerir o processo de afirmação do líder da empresa enquanto empresário e ajudar a ultrapassar obstáculos que estão para lá do negócio em si – uma cultura de penalização do erro.
Existe uma cultura muito penalizadora para quem teve menos êxito ou cometeu erros no processo de criação de soluções empreendedoras, de criação de empresas, de criação de riqueza. É necessário ultrapassar este anátema cultural que afasta muitos dos nossos melhores para áreas de conforto e de menor risco.
Estou convencido, e partilho da opinião de muitos, que a construção da capacidade de empreender e empreendedorismo são vitais não só para a competitividade futura do país, mas, sobretudo, para sustentar o modelo de desenvolvimento que agora procuramos.
Se olharmos para os sete anos em que no CEC-CCIC estivemos envolvidos na dinamização da “Secção de BA” percebemos que, um dos elementos fulcrais que obstaculiza a entrada dos projetos de negócio – passageway – para o contexto empresarial é a apreensão e interiorização da cultura do empreendedorismo, da avaliação do risco de investimento. Numa fase de consolidação da empresa os problemas são mais ligados ao financiamento e à gestão e, também, ao temor de enfrentar o fracasso.
É neste ambiente que se torna importante reforçar a ação dos BA, porque num quadro de escassez de recursos pode contagiar os empreendedores e motivá-los a manterem-se crentes nos seus projetos empresariais.

José Couto
_____________________________________
Texto publicado no jornal «as Beiras»
José Couto é presidente do Conselho Empresarial do Centro (CEC)

novembro 15, 2011

Gerald Celente: «Acabemos com esta farsa de democracia»

"O drama da Grécia continua.
O resgate grego proposto pela Zona Euro traz a possibilidade de colocar a economia mundial de joelhos. Tem sido proposto para afastar a Grécia da Zona Euro.
Muitos dizem que esta é uma tentativa desesperada para ajudar a salvar a moeda em colapso e outros tantos acreditam que a Grécia é o bode expiatório para um problema muito maior.
Gerald Celente, editor do The Trends Journal, dá-nos a sua opinião acerca do tema."

Na "mouche" (e os patos somos nós)


«Tiro aos patos»

("Europe's economy in the firing line")
Publicidade do jornal «Financial Times»

Jorge Jesus nas Novas Oportunidades - Estado de Graça

novembro 14, 2011

O inferno não são os outros...

... somos nós mesmos e Sartre estava absolutamente errado, temos pena.
Vamos lá ver se consigo acalmar o turbilhão de ideias que me levou a esta conclusão e se me permito ser clara e pouco infernal (piada fraquinha, eu sei, mas nunca disse que dava para mais).
Hoje, numa aula de Pensamento Crítico, ao passo que expunha as diferenças (teóricas, já se sabe) entre persuasão e manipulação e o critério ético que as aparta, lembrei-me de perguntar à turma se alguma vez e de que modo se tinham auto-manipulado. E as respostas, inevitavelmente, levaram-nos para o campo das relações inter-pessoais: porque X me mentiu, manipulou-me; porque Y me iludiu, fui manipulada, porque Z me contou a estória da carochinha, fez-me o mesmo. O outro, sempre o outro.
Alto e pára já o bailarico que há aqui qualquer coisa de muito errado: muito bem, se fui mentida e não tinha como distinguir a verdade para lá da patranha, posso não ter tido culpa alguma na matéria mas, as mais das vezes, não somos iludidos, deixamo-nos iludir. Ou melhor: enredamo-nos numa teia de ilusões que pode ter sido desencadeada pelo outro mas foi (e só assim se tece) alimentada por nós, que agora nos dizemos vítimas (o que é sempre muito mais bem visto do que ser "o/a sacana").
Nunca mais me esqueço do caso de uma amiga que, há muitos anos, recebeu da afilhada uma caixa de Mon Chérie. A A. odiava aqueles bombons tanto quanto eu, mas "para não magoar" a miúda, fez uma festa e disse ter adorado. Desenvolvimento lógico? De cada vez que a afilhada a vinha visitar, lá levava ela com mais uma caixa de chocolates que lhe davam vómitos. Suponho que ainda hoje os receba. E se queixe disso, a grande palerma, quando a garota (hoje mulher feita) é que vive na ilusão de estar a agradar a uma madrinha que, no caso concreto, só desaponta.
O que é que aconteceu aqui?
Justamente o mesmo que acontece a um casal quando ele faz uma coisa de que ela não gosta (exemplo comezinho e tipicamente de gaja: não lhe mandou uma mensagem nem lhe telefonou nem lhe prantou um "like" num post do Livro das Caras durante todo o dia) e ela, "para não o magoar", ou enfrentar ou para que ele ache que ela é uma cool e não é nada melga, não lho diz. Ao fim do dia, ELA manda-lhe uma mensagem casual, a perguntar qualquer coisa de formas displicente (porque enough is enough e o silêncio já lhe está a dar cabo dos nervos) e ele responde no mesmo tom. Ela fica pior do que peste (arre porra, não falamos há quase 24h e é tudo quanto tens para me dizer???) mas continua calada, a congeminar mil e uma razões para ele estar a agir de forma atípica (ou característica e ela é que não o quer ver, sabe-se lá), mas não o confrontando; isso é que nunca porque vai dar discussão e as discussões afastam-nos.
What???
Desculpem-me lá os cools deste mundo (mesmo porque não conheço nenhum, o que conheço é gente que se está a marimbar e isso é outra conversa), mas isto é treta da mais pura. Quem é que manipulou quem, aqui? O fulano que nem se lembrou de que a gaja existia e que, por isso, foi fiel a quem era e não a contactou (porque quem é fiel a si mesmo não faz fretes) ou a menina que, para não o perder ou não arranjar confusões ou o diabo, faz de conta que é uma pessoa que não é?!
E quem é que fica na mais pura merda? Ela. Só ela. E bem feito, porque não tinha nada de ser o inferno de si mesma. Quem não é capaz de viver com o outro como ele é, não tem o direito de o iludir, dizendo-lhe que sim. Porque, convenhamos, uma relação que é ameaçada por algo tão elementar como necessidades diferentes de comunicação, não tem pernas nem qualquer outra parte do corpo para andar.
Fiz-me entender? Ora ainda bem.
Eu, pelo menos, fiquei mais esclarecida.

RENando contra a naré

Expurgada da EDP pela cavacal figura aquando da privatização desta empresa, lá pelos idos de 90, a REN (Rede Eléctrica Nacional) sempre saltitou entre o público e o privado numa lógica sem qualquer espécie de lógica que não fosse o maná que pode constituir uma empresa de tal modo estratégica, como ela é.

Lembremo-nos, por exemplo, de que naquela fúria privatizadora inicial, também ela foi privatizada, vindo pouco tempo depois a ser «recomprada» pelo Estado, em mais um negócio de milhões onde muitos ganharam mas perdeu o país, pela liminar razão de se ter assumido que uma empresa daquele calibre e interesse estratégico não poderia estar em mãos de privados.

Sem entrar em minudências, aliás sempre muito pouco claras nestas artimanhas politico-financeiras, acompanhei com alguma curiosidade a evolução deste disparate, idêntico a muitos outros que têm vindo a ser perpetrados por todos os vendilhões que se têm entretido a delapidar este país e a que a nossa falta de bom senso se acostumou a chamar de «governantes».

É assim que, por mera cautela para convencimento dos seus trabalhadores, foi mantida a estes a assistência médica – parte integrante do Acordo Colectivo de Trabalho da EDP – quando, na verdade, o seu estatuto se tinha diferenciado significativamente e o novo enquadramento legal para tal situação, no mínimo, carecia de melhor atenção.

Certo é que manda quem pode e, havendo interesse, tudo se faz, tudo se cozinha.

Entretanto, o estatuto da REN, enquanto empresa pública, sempre vogou naquele mar de insanidade de quem colhe do público o pior e do privado o vício. De ambos se colhem os benefícios todos para alguns poucos que se sentam nas cadeiras dos mais altos patamares.

É, pois, neste contexto que se apura ter a REN, tal como muitas empresas privadas, um seguro cujos beneficiários são os seus gestores e alguns funcionários ditos «de topo», seguro esse destinado a cobrir acções decorrentes do desenvolvimento da sua acção interna.

Isto é, e se bem se entende o conceito: se um gestor desenvolve, por suposição, actos de gestão danosa e, por isso, é chamado à barra dos tribunais, tem ainda assim o respaldo de um seguro que lhe permitirá esgrimir ou «defender-se» contra os interesses da própria empresa e pago principescamente, diga-se, pela empresa que terá prejudicado.
Isto sustentado com o que será, no caso, argumento falacioso, de que um arguido ainda não é um acusado…  
Ora, se isto não é, no mínimo, pornográfico, não sei o que possa ser abrangido por tal expressão.

Assim é que ouvimos, sem espanto mas com um muito mordaz sorriso, de que um gestor da REN terá accionado esse seguro, com a anuência da demais gestão da REN, e com gritante falta de pudor, para cobrir encargos decorrentes do processo em que está constituído arguido… no exercício das suas funções como gestor da REN.

Demagogicamente e para evitar algum tumulto social interno, estenderam esse seguro a mais três outros funcionários aparentemente implicados no mesmo cambalacho.

É a chamada democracia por conveniência e a martelo.

Pressurosamente,  já alguém, correndo, veio dizer que, se forem considerados culpados, terão de devolver os encargos entretanto cobertos pela seguradora.

E assim vamos neste país de iniquidades: uma empresa paga a uma seguradora um seguro para um seu gestor se poder defender contra a eventual acusação de esse mesmo gestor ter andado a prejudicar essa mesma empresa.

Num momento em que mais de metade da população activa é confrontada com a demagogia barata de que temos de entrar numa «nova era de relações laborais», em que os direitos adquiridos terão deixado de fazer sentido, assistimos, por outro lado, a esta «lógica» só para elites, mas que desmascara a hipocrisia que subjaz a todos estes ditames da moda do capitalismo selvagem e descontroladamente à solta. Elites da treta, ainda assim, mas seguramente mancomunadas com os tais «governantes».

Se isto não é mais estranho do que a Alice no País das Maravilhas, é o quê?